A APLICABILIDADE DO ESTATUTO DO TORCEDOR (LEI 10.671/2003)

GUILHERME BENTZEN

RESUMO

Trata-se de monografia cujo tema é “Aplicabilidade do Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003)”. Enfoca-se, principalmente, a aplicação prática desta Lei no âmbito jurídico atual.
Inicialmente, aborda-se a questão da violência presente no esporte, constatando a necessidade de um melhor tratamento para com os torcedores, além de discorrer sobre os direitos e deveres destes e das entidades responsáveis pela organização do evento esportivo, derivados do Estatuto do Torcedor.
Também foi tratada a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na relação entre o consumidor e o fornecedor do espetáculo esportivo, além da responsabilidade civil e penal disposta na legislação em comento.
O objetivo foi compor esclarecimentos fundamentalmente acerca dos direitos do torcedor, com enfoque na aplicabilidade da exigência dessas garantias. A problemática deste trabalho acadêmico gira em torno da seguinte indagação: porque o Estatuto do Torcedor até hoje é tratado como uma “lei que não pegou”?
Diante de tal problema, a metodologia utilizada foi pesquisa bibliográfica, acrescida de jurisprudências dos Tribunais nacionais, observação in loco no Estádio Serra Dourada, além de entrevista com o Dr. Luís Antônio Siqueira de Paiva, responsável pela sub-sede goiana da torcida organizada Dragões da Real, apoiante do São Paulo Futebol Clube.
Por fim, concluiu-se que o Estatuto do Torcedor ainda é pouco conhecido, consequentemente pouco aplicado, de forma que, com a realização, no país, dos dois maiores eventos esportivos mundiais, nos próximos anos, espera-se uma reeducação do torcedor quanto ao interesse na exigência do cumprimento de seus direitos consumeristas.

Palavras-chave: Direito, Estatuto, Torcedor, consumidor, evento esportivo.

INTRODUÇÃO

O desporto movimenta, atualmente, trilhões de dólares por ano, transformando, por consequência, o torcedor em um consumidor em potencial.
Como todo consumidor, o torcedor é um sujeito de direitos e deve tê-los respeitados, sobretudo levando-se em consideração o fato de que o esporte deve seu fenômeno social global justamente à imensa paixão despertada nas multidões.
Por esta razão, cada vez mais, surge a necessidade de legislações específicas a estes consumidores do esporte, bem como a adequação das Entidades do Desporto aos anseios de seu público alvo.
Ademais, os recorrentes problemas de segurança nos estádios brasileiros forçaram o Congresso Nacional a decretar uma reforma nas medidas preventivas e repressivas aplicadas em relação à realização dos jogos, com o objetivo de aumentar a segurança e a qualidade no tratamento com o torcedor.
Dessa forma, a problemática desta pesquisa gira em torno da aplicabilidade do Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003), sobretudo com o advento da Lei 12.299/2010.
Portanto, indaga-se: o Estatuto do Torcedor confere instrumentos hábeis a assegurar a sua aplicabilidade imediata, mormente no momento em que o Brasil torna-se organizador da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016? Em resposta, foram verificadas duas hipóteses.

A primeira hipótese abordada neste estudo diz respeito ao entendimento de que o Estatuto do Torcedor é exemplo de “lei que não pegou”. Muito embora ele garanta vários direitos aos torcedores, após oito anos de vigência, até hoje não se tem a aplicabilidade total e efetiva. A justiça é pouco acionada, pois poucos são os torcedores que sabem da existência de seus direitos.
Em uma segunda hipótese, com o advento do Estatuto do Torcedor (Lei. 10.671/2003), deu-se início a profundas transformações no modo do torcedor brasileiro encarar o esporte. Ocorre que, mesmo sem a aplicação prática desta lei em sua plenitude, foi sancionada a Lei nº 12.299/2010, alterando vários dispositivos do referido Estatuto.
Assim, teve-se por objetivo tecer comentário sobre a Lei 10.671/2003, e suas alterações advindas da Lei 12.299/2010; apontar os direitos do torcedor enquanto consumidor do espetáculo esportivo, além de definir as responsabilidades civis, consumeristas e penais resultantes da violação ao Estatuto.
Quanto à metodologia, utilizou-se pesquisa bibliográfica, acrescida de jurisprudências dos Tribunais nacionais; observação in loco no Estádio Serra Dourada; além de entrevista realizada com o Dr. Luís Antônio Siqueira de Paiva, responsável pela sub-sede goiana da torcida organizada “Dragões da Real”, apoiadora do São Paulo Futebol Clube.
Para melhor organização das idéias, esta monografia foi dividida em três capítulos. O primeiro capítulo abordará sobre o problema histórico da violência presente nos eventos esportivos no país, bem como explanará a necessidade de um melhor tratamento para com o torcedor.
Dessa forma, é possível entender, especificadamente, o advento do Estatuto do Torcedor e seus dispositivos, os quais serão comentados no segundo capítulo. Também neste capítulo, analisar-se-ão as alterações do Estatuto trazidas pela Lei 12.299/2010.
O terceiro capítulo destina-se à aplicação prática da Lei 10.671/2003, tratando da aplicação do Código de Defesa do Consumidor em conjunto com o Estatuto do Torcedor. Além disso, esclarece-se sobre a responsabilidade civil e penal decorrentes da violação à norma trabalhada.
Por fim, chegou-se à conclusão a qual é importante que o torcedor crie a consciência de que não é mero espectador, mas sim titular de direitos, exigindo-os, pois o regulamento somente será obedecido se as entidades responsáveis pelo desporto passarem a ser oneradas em decorrência de violação ao Estatuto.

CAPÍTULO I – DA ORIGEM E DO CONTEXTO HISTÓRICO

1.1 A VIOLÊNCIA NOS EVENTOS ESPORTIVOS

Uma partida de futebol, paixão nacional, é também o cenário de muita polêmica. A torcida pode fazer uma festa bonita nas arquibancadas, o problema surge quando esta paixão pelo time passa da euforia para a violência.
Vê-se, frequentemente no Brasil, cenas de violência nos estádios envolvendo torcedores, torcidas organizadas, jogadores e até mesmo técnicos e dirigentes. Cenas de brutalidade que mais parecem registros de uma guerra civil.
Porém os eventos esportivos catastróficos não acontecem somente no Brasil ou em países considerados subdesenvolvidos.
Exemplo disso, conforme dados extraídos do sítio da WIKIPÉDIA, foi a tragédia ocorrida na Inglaterra, em 15 de abril de 1989. Durante o jogo entre Nottingham Forest e Liverpool, realizado no Estádio Sheffield, válido pela Semifinal da Copa Nacional, 96 (noventa e seis) torcedores morreram esmagados contra as grades das arquibancadas do estádio, devido à superlotação e ao precário estado de conservação do estádio.
Outro triste exemplo inglês, relatado no sítio da WIKIPÉDIA, diz respeito aos Hooligans, grupo de torcedores do Reino Unido conhecidos pela prática da violência em eventos esportivos internacionais. Eles foram responsáveis pela conhecida “Tragédia do Estádio do Heysel”, na Bélgica, ocasionada no dia 29 de Maio de 1985.
Na véspera da disputa da final da Taça dos Campeões Europeus, na qual se enfrentaram o Liverpool, da Inglaterra, e a Juventus, da Itália, os hooligans atacaram os torcedores italianos com as barras de ferro que separavam as bancadas das torcidas. A violência resultou em 39 (trinta e nove) mortes, além de centenas de feridos.
Os hooligans foram responsabilizados pelo incidente, provocando a proibição das equipes britânicas de participarem de competições européias por cinco anos.
Não só a violência física predomina no futebol, mas o racismo também tem sido frequente nos estádios internacionais, sobretudo os europeus. Jogadores de origem africana e latina, até mesmo os brasileiros, respeitados em todo o mundo, são provocados por aversão étnica, através de cânticos e gestos ofensivos.
No dia 27 de março de 2011, o sítio do O GLOBO noticiou que durante um amistoso realizado entre a seleção brasileira e a escocesa, no Emirates Stadium, em Londres, foi lançada uma casca de banana no campo, e viram-se vários gestos racistas das bancadas, dirigidos ao atacante brasileiro Neymar. A banana injuriava o jogador pela cor da pele, imputando-lhe a classificação de macaco.
Até mesmo entre os jogadores o racismo existe. O Brasil presenciou, em 2005, um dos casos mais polêmicos de discriminação no esporte. Em uma partida realizada no estádio do Morumbi, entre São Paulo e Quilmes, o zagueiro argentino Desábato desacatou o atacante brasileiro Grafite, igualmente chamando-o de macaco.
Após o término da partida, ainda no gramado de jogo, foi noticiado pelo sitío da TERRA ESPORTES, que Desábato recebeu voz de prisão e ficou dois dias preso em São Paulo, indiciado pelo crime de injúria agravada de preconceito. O jogador foi solto após pagar uma fiança de R$ 10 (dez) mil, comprometendo-se a retornar ao país nos atos do processo. Grafite, porém, retirou a acusação.
É cediço que estas tensões ocorridas dentro do campo se estendem às arquibancadas. Nos jogos de futebol de maior importância, conhecidos popularmente como “clássicos”, o clima de alta rivalidade dentro de campo estimula a rivalidade das torcidas, proporcionalmente, e como as torcidas das grandes equipes são compostas de milhares de pessoas, acarreta-se comumente fatos de violência.
Ademais, nos “clássicos” cuja relevância é ainda maior, a exemplo de semifinais ou finais de campeonato, o índice de violência entre as torcidas supera, haja vista despertar na massa de torcedores sentimento passional e irracional mais intenso.
Nestes eventos, são habituais os confrontos entre as torcidas organizadas, que na verdade figuram verdadeiras milícias armadas, nos estádios e nos locais públicos adjacentes. Nesse diapasão, constata-se a presença cada vez menor de torcedores comuns nos principais jogos (certamente contraditório), tornando a arena esportiva cada vez mais uma área de batalha.
Não há dúvida de que a violência praticada nos eventos esportivos é decorrente da banalização da violência fora das praças esportivas, concorrente com a ausência de estrutura educacional no país. Esses problemas geram a falta de consciência crítica e de noção dos valores éticos e morais.
O futebol, e o desporto de uma forma geral, não podem ser considerados fatores de insegurança para a sociedade. Pelo contrário, o desporto é, e deve ser, mormente, uma instituição a qual cumpra finalidades inerentes à saúde, à educação, à sociabilidade e à cultura.
As condições precárias em que são realizados os eventos esportivos, a falta de compromisso das entidades responsáveis pela organização, a falta de estrutura logística, administrativa e, sobretudo educacional, é que torna insegura a prática do esporte no país.

1.2 – A NECESSIDADE DE MELHOR TRATAMENTO COM O TORCEDOR

O esporte movimenta, atualmente, trilhões de dólares por ano, pelo que se pode constatar das elevadas remunerações percebidas pelos atletas; dos exercícios financeiros dos clubes; do número de empregos que o desporto gera direta e indiretamente; dos altos contratos de publicidade e marketing; além dos expressivos índices de audiência nos meios de comunicação.
Por esses dois últimos fatores, constata-se que o esporte depende cada vez mais do torcedor. Sem a audiência a qual este proporciona, não haveria contratos publicitários valorosos, conseguintemente os clubes não arrecadariam o montante suficiente para pagar aos atletas cifras tão significativa.
Para se ter idéia, consoante noticiado pelo sítio do IG, o Super Bowl (final da liga nacional de futebol americano dos EUA) é o programa de maior audiência nos Estados Unidos. De acordo a Nielsen Co., entidade responsável pela medição de audiência televisiva, a última edição, em fevereiro de 2011, superou a média de 111 milhões de telespectadores. As redes de televisão responsáveis pela transmissão da partida cobram em torno de US$ 3 milhões por cada anúncio de 30 segundos durante o evento. Com isso, em 20 anos, o Super Bowl gerou receitas, com vendas de anúncios, da ordem de US$ 2,17 bilhões, sem contar ainda o quanto se arrecadou com a venda de ingressos e produtos licenciados.
Ainda em razão do elevado número de espectadores, relata o sítio da VÍRGULA, que às vésperas do evento, estimava-se a venda de 600 mil unidades de pizza somente durante o jogo, em todo o país. A estimativa das pizzarias é que fossem consumidas 350 fatias de pizza por segundo de jogo.
Mas não só o Super Bowl movimenta tanto dinheiro. A Copa do Mundo de Futebol é um megaevento capaz de transformar a economia de um país, que arrecada milhões de dólares necessários às obras para se adequar às exigências da FIFA – Federação Internacional de Futebol (do francês, Fédération Internationale de Football Association), e outros tantos milhões durante o evento.
Tal dinâmica financeira acaba por deixar no país sede proveitos dignos de continuar arrecadando recursos após o evento. Melhorias com infraestrutura, turismo e patrimônios são alguns exemplos de benefícios relevantes.
O sítio da UOU afirmou que segundo o Ministro do Esporte, Orlando Silva, a Copa de 2014 deverá render aos cofres públicos R$ 10 bilhões em arrecadação de tributos, com retorno financeiro, levando-se em conta investimentos diretos, recirculação de recursos, ativamento de várias cadeias produtivas, tais como construção civil, serviços, turismo, e aumento de consumo.
Neste contexto, e não menos importante, oportuna-se citar os Jogos Olímpicos, outro megaevento esportivo a ser realizado no Brasil após a Copa que, da mesma forma, dispende muito esforço e compromisso financeiro do país em razão das exigências do seu organizador, o Comitê Olímpico Internacional – COI. Assim como na Copa do Mundo, o aproveitamento dos investimentos feitos é fundamental.
Partindo dessas premissas, é imperioso investir no torcedor da melhor forma possível, por tratar-se de uma massa expressiva de consumidores em potencial. Vale ressaltar que, conforme dados extraídos do sítio do GLOBOESPORTE, o Sport Club Corinthins Paulista registrou a maior média de público nos estádios, durante o Campeonato Brasileiro de 2010 – Série A, de 26.693 (vinte e seis mil seiscentos e noventa e três) torcedores.
Consequentemente, afirmou o sítio da FUTEBOL FINANCE, o Corinthians foi o clube brasileiro que gerou maior receita em 2010, cerca de R$ 212,6 milhões, provando que o investimento no torcedor gera receita para o clube.
No caso do futebol, a paixão do torcedor brasileiro é tamanha que, em época de Copa do Mundo, toda a relação passional é capaz inclusive de alterar o funcionamento de serviços públicos essenciais em ocasião dos jogos da seleção brasileira.
Além de tratar-se do esporte mais difundido no país, consumido por milhões de brasileiros semanalmente, é imprescindível uma legislação ampla e precisa para regulamentar e manter a prática.
Por isso a importância de se ter regramentos específicos, como o Estatuto do Torcedor, para disciplinar a relação existente entre o torcedor e o organizador, de forma a garantir a melhor qualidade possível na realização do espetáculo.
E quando se fala na qualidade do tratamento com o torcedor, não se quer dizer apenas evitar a violência nas praças esportivas (embora seja este o problema de solução mais árdua), mas também afiançar todo o conforto indispensável ao público.

1.3 – DO ADVENTO DO ESTATUTO DO TORCEDOR

Percebendo-se o crescimento exponencial da violência no esporte nacional, e a necessidade de melhor tratamento com o torcedor, viu-se necessário a criação de um instrumento eficaz na solução desses problemas.
Dessa forma, em 2002, o Poder Executivo, através do então Ministro do Esporte e Turismo Caio Luiz de Carvalho, instituiu a Portaria nº 54, a qual constituiu o Grupo de Trabalho Especial – Futebol, com o intuito de propor ações para a reformulação do futebol brasileiro e assegurar os direitos do torcedor.
Cabe ressaltar os dizeres do citado Ministro CARVALHO:

O torcedor é um elemento importante para sobrevivência e desenvolvimento do esporte, porém, a cada dia, se vislumbram fatos em que seus direitos humanos e de consumidor são flagrantemente desrespeitados.
Trata-se do verdadeiro financiador desse patrimônio, merecendo ter sua paixão reconhecida e valorizada, com a garantia de que as competições que aprecia e participa se constituam em eventos honestos, transparentes e equânimes.

A guisa de complementação estivera presente neste grupo de personalidades renomadas no cenário esportivo brasileiro, a exemplo do técnico da seleção brasileira tetra-campeã Carlos Alberto Parreira, além de juristas, médicos, economistas, profissionais da imprensa, entre outros.
Assim, foram realizadas reuniões temáticas com discussões acerca dos seguintes temas: direito a uma competição organizada e transparente; Estatuto do torcedor do clube; justiça desportiva: direito à informação, imparcialidade e julgamento antecipado; direito do torcedor frente aos interesses comerciais; direitos relativos ao dia do espetáculo – acesso e segurança; arbitragem; Agência Nacional do Esporte e financiamento do futebol.
Ao final daquele ano, o grupo encerrou o trabalho, oportunidade em que se consolidou o projeto de Lei nº 7262/2002, com relatoria do Deputado Federal MACHADO, Gilmar. Cabe exibir trecho de seu voto, o qual denota a relevância social da matéria:

O desrespeito ao cidadão torcedor, elemento fundamental para sobrevivência e desenvolvimento do esporte nacional, tem sido frequente nas competições desportivas nacionais. Tal desrespeito vai desde a falta de transparência no estabelecimento das regras das competições a questões envolvendo a segurança e saúde públicas. Neste último aspecto, impossível não lembrar a decisão do Campeonato Brasileiro de Futebol de 1992 onde um acidente na arquibancada envolvendo mais de cem pessoas deixou quatro mortos e dezenas de feridos. Também neste aspecto, impossível não lembrar a final da João Havellange em 1999, onde uma briga e a queda de parte do alambrado provocaram um acidente que deixou vários torcedores feridos. Os exemplos são muitos e não se restringem ao futebol, mas estende-se à várias modalidades esportivas.
Desta forma, compreendemos seja primordial garantir ao torcedor o direito à participação em competições realizadas em local seguro e com mínimas condições de higiene, com a garantia de seguro de acidentes pessoais, orientação interna e externa nos estádios, e implementação de planos de ação referentes à segurança e transporte em possíveis contingências.

Por fim, o texto do Estatuto do Torcedor foi levado ao Congresso Nacional e, após algumas alterações legislativas, foi, em 15 de maio de 2003, sancionado pelo Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva.
Insta salientar, conforme noticiado pelo sítio do STF (2003), que, em 18 de julho do mesmo ano, o Partido Progressita – PP ajuizou, no Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2937) por meio da qual requereu a declaração de inconstitucionalidade, com a suspensão liminar dos efeitos, de 29 dispositivos do Estatuto do Torcedor.
São eles: art. 8º, inciso I; art. 9º, §5º, incisos I e II; art. 10, §4º; art. 11, caput e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º; art. 12; art. 19; art. 30, parágrafo único; art. 32, parágrafos 1º e 2º; art. 33, parágrafo único, incisos II e III; e art. 37, incisos I e II, §1º, incisos I e II, e §3º.
De acordo com o Partido, o Estatuto afronta o disposto no artigo 5º, incisos X, XVII, XVIII, LIV, LV, LVII e parágrafo 2º; artigo 18, caput; artigo 24, inciso IX, parágrafo 1º e artigo 217, inciso I.
Não foi concedida a suspensão liminar dos efeitos, e até a data da conclusão deste trabalho, a referida ‘ADI’ não foi julgada no mérito, de modo que o Estatuto goza de aplicabilidade plena.

CAPÍTULO II – DO ESTATUTO DO TORCEDOR

2.1 – COMENTÁRIOS À LEI 10.671/2003

Promulgada em 2003, a Lei 10.671, conhecida como Estatuto do Torcedor, funciona como um Código de Defesa do Consumidor para um consumidor específico – o do esporte, qual seja o torcedor de futebol ou de qualquer modalidade desportiva.
Tanto é que o artigo 3º do Estatuto equipara a fornecedor, nos termos do CDC, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo, atribuindo-lhes toda responsabilidade conferida aos fornecedores pela legislação consumeirista.
Com 45 artigos (sem contar os acrescidos pela Lei 12.299/10), o arcabouço legal dispõe sobre organização, regulamentos, segurança, ingressos, transporte, alimentação, higiene, arbitragem, justiça desportiva, além de impor penalidades.
Primeiramente, é importante distinguir-se as diversas pessoas a que se refere o Estatuto, quais sejam: “torcedor”; “entidade ou clube com mando de jogo”; “entidade ou clube responsável pelo estádio”; e “entidade organizadora do evento”. Essas diferenças são importantes para se definir a quem imputar as diversas obrigações e responsabilidades em determinadas situações.
O conceito de torcedor estava previsto no artigo 42, §3º, da Lei Pelé (Lei 9.615/98), como o espectador pagante do evento esportivo, ou seja, aquele adquirente de bilhete.

Este conceito foi ampliado no artigo 2º, da Lei 10.671/03, como toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País, e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva. Em termos mais simples, torcedor é, para fins desta legislação, todo cidadão presente no evento.
Por “entidade ou clube com mando de jogo”, entende-se o clube desportivo que, pelo regulamento da competição, receberá o adversário para a partida.
O Campeonato Brasileiro de Futebol, por exemplo, é disputado em dois turnos, no qual todos os times jogam contra todos por duas vezes, uma como mandante e outra como visitante. Como mandante, o Estatuto lhe impõe uma série de obrigações, dentre elas a venda de ingressos, e o clube passa a ser responsável, solidariamente, à entidade responsável pelo estádio, por qualquer violação à legislação.
“Entidade ou clube responsável pelo estádio” nada mais é que o clube desportivo proprietário de determinada arena, ou que tenha a competência de administrá-la atribuída por lei.
Em Goiás, o Estádio Serra Dourada é uma autarquia estadual, entidade responsável pelo recinto. Já em São Paulo, o Estádio Cícero Pompeu de Toledo, também chamado de Estádio do Morumbi, é um estádio particular, de propriedade do São Paulo Futebol Clube.
Já as “entidades organizadoras do evento” nada mais são que as Federações e Confederações do desporto, competentes para a criação das competições. No Campeonato Goiano de Futebol, a entidade organizadora do evento é a Federação Goiana de Futebol.
Urge salientar que a aplicação do Estatuto do Torcedor pode ser feita em consonância com o Código de Defesa do Consumidor. SOUZA, (2009), leciona o seguinte:

Importante ressaltar que, sendo o Estatuto do Torcedor mais específico, poderia surgir dúvida a respeito da aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações de que a Lei n. 10.671/2003 regula.
Entretanto, os direitos presentes no Estatuto do Torcedor não excluem os que emanam do Estatuto Consumeirista. Muito pelo contrário, tratam-se de direitos adicionais aos que ali se encontram.
Entre o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Torcedor forma-se um sistema integrativo de normas, no qual a interpretação é no sentido de ampliar direitos, integrando-os.

Infelizmente, até hoje não se tem a aplicabilidade total e efetiva do Estatuto. Apesar de já possuir 8 anos, a justiça é pouco acionada, pois poucos são os torcedores que sabem da existência da lei, conhecem-na e a utilizam a seu favor.
Como menciona ROLLO, (2010), o Estatuto do Torcedor é mais um exemplo de “leis que não pegam”:

O Brasil é conhecido como o país das leis que pegam e das leis que não pegam, já que, infelizmente, algumas leis editadas não são aplicadas na prática. Isso é estranho já que a ninguém é dado alegar o desconhecimento da lei, cabendo às autoridades exercer fiscalização rigorosa sobre o seu cumprimento.
Algumas leis só são aplicadas em virtude de fiscalização intensa e, quando esta cessa, passa a ocorrer o seu desrespeito.
(…)
O Estatuto do Torcedor é exemplo de lei que não pegou. Muito embora ele garanta o direito de acesso dos portadores de necessidades especiais aos estádios; o direito a banheiros limpos e adequados; o direito a sentar no lugar marcado anotado no ingresso adquirido, nada disso vem sendo exigido na prática. As instalações dos estádios, inclusive dos públicos como é o estádio do Pacaembu, são inadequadas, o que até assusta levando-se em conta que o Brasil vai sediar uma Copa do Mundo.
O desrespeito a essa lei acontece diuturnamente desde a sua edição, em maio de 2003.

É cediço que se consegue forçar uma entidade a cumprir o que a lei determina, aplicando-se penalidades devido o descumprimento. Mas esta penalização só é possível se o cidadão buscá-la, por meio de medidas cabíveis.

O Código de Defesa do Consumidor é um exemplo disso. Sua efetividade se deu porque os consumidores passaram a exigir seus direitos, consequentemente as empresas passaram a ser condenadas a pagar danos materiais e morais. Da mesma forma, se as entidades responsáveis pelo desporto passarem a ser oneradas em decorrência de violação ao Estatuto, de fato este regulamento será obedecido.
O presente capítulo tem por objetivo explanar sobre a aplicabilidade da Lei 10.671/2003 com relação à qualidade no tratamento com o torcedor/consumidor, no que tange a organização do serviço, a segurança, os ingressos, o transporte, a alimentação e a higiene dos estádios, além de comentar as alterações do Estatuto trazidas pela Lei 12.299/2010.

2.1.1 – DA ORGANIZAÇÃO DOS EVENTOS ESPORTIVOS

O Estatuto do Torcedor trata da organização em seu Capítulo II – “Da transparência da organização”, através dos artigos 5º ao 8º, prescrevendo acerca da publicidade dos regulamentos e agendas das competições, e criando a pessoa do Ouvidor da Competição.
Como o evento esportivo é de interesse público, destinado a todo e qualquer cidadão, são asseguradas ao torcedor a publicidade e transparência na organização, de forma que as entidades organizadoras devem publicar na internet, em site oficial (artigo 5º, §1º, Estatuto do Torcedor):

I – a íntegra do regulamento da competição;
II – as tabelas da competição, contendo as partidas que serão realizadas, com especificação de sua data, local e horário;
III – o nome e as formas de contato do Ouvidor da Competição de que trata o art. 6o;
IV – os borderôs completos das partidas;
V – a escalação dos árbitros imediatamente após sua definição; e
VI – a relação dos nomes dos torcedores impedidos de comparecer ao local do evento desportivo.

O Ouvidor da Competição é a pessoa designada pela entidade organizadora da competição, com a função de intermediar a relação consumidor/fornecedor do evento, recolhendo as sugestões, propostas e reclamações, examinando-as e propondo, à respectiva entidade, medidas necessárias ao aperfeiçoamento da competição em benefício do torcedor.
Nesse sentido, o Ouvidor da Competição nada mais é que uma espécie de Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC), pelo qual o fornecedor cria um canal de comunicação com o consumidor, para que este exponha seus anseios, e, através deles, o fornecedor pode melhorar seus produtos e serviços de forma mais efetiva.
No Campeonato Goiano de Futebol 2011, a Federação Goiana de Futebol (FGF), entidade organizadora da competição, designou como Ouvidor da Competição o Sr. Gerferson Aragão. Ele recebe as críticas e sugestões por meio de mensagens eletrônicas, as quais podem ser enviadas através do site oficial da Federação.

2.1.2 – DA SEGURANÇA NOS ESTÁGIOS

Dispõe o artigo 6º, I do Código de Defesa do Consumidor, que são direitos básicos do consumidor, a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos. Além disso, o inciso VI, do mesmo artigo, garante a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais e coletivos.
Partindo dessas premissas, tem-se que o torcedor tem o direito à segurança quando de sua participação no espetáculo, sendo dever das entidades organizadoras manter a integridade física e psíquica daquele, enquanto fornecedora de um serviço.
O próprio Estatuto assegura ao torcedor, em seu artigo 13, caput, o direito à segurança antes, durante e após a realização do evento esportivo.
Assim, a entidade responsável pela organização da competição e seus dirigentes respondem, solidariamente e objetivamente, com a entidade detentora do mando de jogo e seus dirigentes, pelos danos causados aos torcedores em razão de falha na segurança, como sentencia o artigo 19 da referida norma.
Apesar de o evento desportivo ser particular, em termos de segurança, a entidade organizadora do evento desportivo deverá solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos responsável pela segurança dos torcedores, dentro e fora das praças esportivas.
Porém, ainda que a entidade organizadora não solicite, ao Poder Público, a presença de policiais, é importante acrescentar que a Constituição Federal, em seu artigo 6º, em paralelo ao artigo 144, impõe sobre o Estado o dever de segurança pública a todos os indivíduos. Nessa esteira, ensina SOUZA, (2009):

Portanto, cabe ao Poder Público providenciar, independentemente de qualquer requisição, as medidas que garantam a segurança no local.
Sendo assim, havendo dano ao torcedor, é sempre possível acionar o Estado judicialmente só ou em conjunto com o mandante ou organizador (litisconsorte passivo), uma vez que a responsabilidade prevista no artigo 14 dos clubes co mando de jogo não exclui a do Estado que emana do próprio texto constitucional. (SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. Estatuto do Torcedor: a evolução dos direitos do consumidor do esporte (Lei 10671/2003) – 1ª Ed. Belo Horizonte: Alfstudio Produções, 2009)

Esta responsabilidade do Estado também deriva quando a Polícia, mesmo objetivando a promoção da segurança nos estádios, utiliza-se de força desarrazoada e desproporcional (atirar bombas e balas de borracha, por exemplo) em face dos indivíduos, provocando lesões e ou até mortes de torcedores.
O Estatuto, em seu artigo 41-B, §1º, inciso I, define como crime a prática de tumulto ou violência num raio de 5 (cinco) quilômetros do local do evento. Sendo assim, a responsabilidade pela segurança dos torcedores, por parte dos organizadores, estende-se a esta mesma distância, aplicando-se analogicamente este artigo.
Assim, o Estatuto prevê a proteção à segurança em três hipóteses distintas: i) dentro da praça esportiva; ii) a cinco mil metros ao redor do local, denominada área de segurança; e também no iii) trajeto de “ida e volta”.
Para tanto, deve a entidade organizadora informar aos órgãos públicos de segurança, transporte e higiene, os dados necessários à segurança da partida, quais sejam: o local, o horário de abertura e fechamento do estádio, a capacidade e a expectativa de público (art. 14, II, alíneas “a” a “d”, do Estatuto do Torcedor).
O artigo 16, do Estatuto em comento, dispõe outros deveres da entidade responsável pela organização da competição em termos de segurança nas praças desportivas, a seguir transcritos:

Art. 16. É dever da entidade responsável pela organização da competição:
I – confirmar, com até quarenta e oito horas de antecedência, o horário e o local da realização das partidas em que a definição das equipes dependa de resultado anterior;
II – contratar seguro de acidentes pessoais, tendo como beneficiário o torcedor portador de ingresso, válido a partir do momento em que ingressar no estádio;
III – disponibilizar um médico e dois enfermeiros-padrão para cada dez mil torcedores presentes à partida;
IV – disponibilizar uma ambulância para cada dez mil torcedores presentes à partida; e
V – comunicar previamente à autoridade de saúde a realização do evento.

Porém, para que a segurança do torcedor lhe seja garantida, ele deve obedecer aos seguintes requisitos, trazidos pela Lei 12.299/10, elencados no artigo 13-A:

Art. 13-A: São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei:
I – estar na posse de ingresso válido;
II – não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência;
III – consentir com a revista pessoal de prevenção e segurança;
IV – não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo;
V – não entoar cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos;
VI – não arremessar objetos, de qualquer natureza, no interior do recinto esportivo;
VII – não portar ou utilizar fogos de artifício ou quaisquer outros engenhos pirotécnicos ou produtores de efeitos análogos;
VIII – não incitar e não praticar atos de violência no estádio, qualquer que seja a sua natureza; e
IX – não invadir e não incitar a invasão, de qualquer forma, da área restrita aos competidores.

Quando se fala na segurança e na integridade física e psíquica dos torcedores, não se quer dizer apenas com relação às brigas e violências entre as torcidas, mas na qualidade do tratamento com o consumidor em seu sentido amplo.
Nesse diapasão, a segurança também abrange a infraestrutura do campo esportivo, de maneira que o projeto arquitetônico deve estar conservado para suportar a carga de pessoas que comparecem e, sobretudo, vibram nas cadeiras e arquibancadas, pulando, batendo os pés, etc.
No Brasil, consoante foi noticiado pelo sítio da TERRA, (2007), tivemos um triste exemplo de falta de segurança infraestrutural. Em 25 de novembro de 2007, durante um jogo de futebol realizado, em Salvador, pela Série C do Campeonato Brasileiro de Futebol, entre o Esporte Clube Bahia e Vila Nova Futebol Clube, parte da arquibancada superior do Estádio Fonte Nova desabou, provocando sete mortes e dezenas de feridos.
O mais absurdo nesse episódio foi que, um dia depois o ocorrido, o ministro do Esporte, Orlando Silva de Jesus Júnior, publicou nota oficial afirmando que o Estádio não apresentava condições de segurança para sediar os jogos dos campeonatos brasileiro e baiano de futebol. É lastimoso que essas constatações sejam feitas somente após tragédias desse porte.
Quanto aos portadores de deficiência física ou de necessidades especiais, o Estatuto impôs, no parágrafo único do artigo 13, que lhe serão assegurados acessibilidade plena ao evento esportivo. Portanto, deve os organizadores disponibilizar rampas, elevadores e espaços específicos para acomodar esses torcedores específicos.
Urge ressaltar que, no Brasil, 14,5% da população são pessoas portadoras de deficiência, segundo dados do IBGE, o que corresponde a 24,6 milhões de pessoas.
Esse dispositivo é, pois, de extrema relevância, haja vista que o poder aquisitivo de 14,5% da população deve ser respeitado, além do que os direitos aos portadores de necessidades especiais são tutelados não só pela própria Constituição Federal, mas também pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.
As seguranças relacionadas à alimentação, higiene e transportes serão abordadas nos tópicos adiantes.

2.1.3 – DA VENDA DE INGRESSOS

Como consumidor de um evento, o torcedor tem o direito de saber tudo sobre a venda dos ingressos, abrangendo-se os preços, as datas, os locais de compra, os locais da realização da partida, os participantes etc., haja vista a informação ser um direito básico em qualquer relação jurídica de consumo.
Assim estabelece o artigo 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, ao determinar que o fornecedor deve especificar a qualidade, a quantidade, as características, a composição, os preços e os riscos ligados ao produto ou ao serviço, sob pena de ensejar a responsabilização civil, se a falha na informação produzir dano.
Além disso, toda informação ou publicidade veiculada nos anúncios e nas propagandas do evento esportivo impõe obrigações às entidades organizadoras do jogo, segundo o artigo 30 do CDC. Nesse sentido, pode o torcedor/consumidor exigir o cumprimento de tudo o que tiver sido apresentado, ressaltando-se que a propaganda enganosa é crime, tipificado no artigo 67 do referido Diploma Legal.
Exemplo prático disso são as promoções feitas pelos clubes de futebol em jogos importantes, os quais há intenção de vender o máximo de ingressos disponibilizados, para que sua torcida incentive o time na busca da vitória. Recentemente, fora noticiado pela RÁDIO 730, (2011), em uma partida de futebol realizada em Goiânia, envolvendo os times Goiás e São Paulo, pela Copa do Brasil, a diretoria do Goiás Esporte Clube publicou promoção a qual os torcedores que comparecessem ao Estádio, com a camisa deste time, pagavam meia-entrada.
Pois bem, caso o torcedor comparecesse no dia do jogo com a camisa do clube, mas fosse obrigado a pagar preço diverso pelo ingresso, como não haveria mais tempo para assistir àquele jogo nas condições prometidas na propaganda, é possível que ele promova uma ação para receber as perdas e danos advindos do inadimplemento do combinado pelos organizadores do evento.
O Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003) dispõe sobre os ingressos em seus artigos 20 a 25. Dispõe o artigo 20, in verbis:

Art. 20. É direito do torcedor partícipe que os ingressos para as partidas integrantes de competições profissionais sejam colocados à venda até setenta e duas horas antes do início da partida correspondente.
§ 1o O prazo referido no caput será de quarenta e oito horas nas partidas em que:
I – as equipes sejam definidas a partir de jogos eliminatórios; e
II – a realização não seja possível prever com antecedência de quatro dias.
§ 2o A venda deverá ser realizada por sistema que assegure a sua agilidade e amplo acesso à informação.
§ 3o É assegurado ao torcedor partícipe o fornecimento de comprovante de pagamento, logo após a aquisição dos ingressos.
§ 4o Não será exigida, em qualquer hipótese, a devolução do comprovante de que trata o § 3o.
§ 5o Nas partidas que compõem as competições de âmbito nacional ou regional de primeira e segunda divisão, a venda de ingressos será realizada em, pelo menos, cinco postos de venda localizados em distritos diferentes da cidade.

De acordo com o referido artigo, os ingressos devem ser colocados à venda com no mínimo 72 (setenta e duas) horas de antecedência da partida, salvo jogos eliminatórios, caso em que os ingressos deverão ser colocados à disposição 48 (quarenta e oito) horas antes.
É importante destacar o disposto no §5º acima, pelo qual em jogos de âmbito nacional e regional de primeira e segunda divisão, devem os ingressos ser vendidos em, no mínimo, 5 (cinco) postos de venda localizados em distritos distintos da cidade. Cumpre esclarecer que venda de ingressos por meio eletrônico ou telefônico não constitui posto de venda.
Crítica se faz ao artigo 21, que estabelece o dever da equipe detentora do mando de jogo em implementar sistema de segurança contra falsificação e fraudes na organização da emissão e venda de ingressos, haja vista que tal prática ainda é frequente.
Nesse caso, se a compra tiver sida realizada nos postos de venda oficiais divulgados, os organizadores do evento devem restituir o preço do ingresso ao torcedor, sem prejuízo de eventual indenização, se não houver tempo de o torcedor assistir ao jogo comprando ingresso original.
Todavia, se o ingresso falso for adquirido de terceiro, principalmente de cambista, não há que se falar em restituição, tampouco indenização, visto que o cambismo foi tipificado crime pela Lei 12.299/10 (artigo 41-F).
Conforme assegura o artigo 22 do citado Estatuto, são direitos do torcedor que todos os ingressos sejam numerados, e que as numerações lhe correspondam a um assento específico. Desse modo, o torcedor tem o direito de exigir o seu lugar, até mesmo através da utilização de força policial.
Lamentavelmente, o desrespeito a esta norma é incessante, notadamente em jogos importantes, como finais de campeonato. Ao contrário dos teatros, em que o consumidor exige seu direito de assistir às peças no assento adquirido, de modo que a organização determina ao ocupante de assento diverso que se sente na respectiva cadeira, nos espetáculos esportivos, é comum assistir em pé ou na escada, devido à falta de cadeiras, que foram ocupadas por outrem.
Na final do Campeonato Paulista de Futebol de 2010, a Rádio JOVEM PAN registrou o seguinte fato:

Consultor da Rádio Jovem Pan, o advogado Alberto Rollo pagou R$ 1.080 por seis ingressos VIP no jogo Santos e Santo André, e só com muito custo conseguiu uma cadeira.
Cinco dos seus convidados foram obrigados a assistir o jogo na escada, porque todos os lugares estavam ocupados por outras pessoas. (…)
Quando, enfim, eles chegaram à fileira “E” da ala VIP do estádio municipal do Pacaembu, tiveram uma outra surpresa desagradável. Os lugares, comprados a 180 reais cada um, estavam ocupados por pessoas que certamente pagaram bem menos para assistir o jogo. E nem a Prefeitura, nem a Federação Paulista de Futebol destacaram funcionários para garantir o direito de quem pagou ingresso VIP. (…)
Por essa razão, o advogado especialista em direito do consumidor vai levar a Federação Paulista de Futebol à barra dos tribunais. Alberto Rollo entrará com ação nesta terça-feira pedindo a devolução do dinheiro gasto para sofrer tratamento humilhante no Pacaembu.
Aos olhos do torcedor, o fato se torna mais grave porque a Federação Paulista de Futebol fez propaganda na televisão das cadeiras numeradas. O filmete garante que os ingressos serão respeitados, mas os torcedores, que acreditaram nos anúncios da entidade, se sentiram enganados pelo anunciante.

Como exposto, tudo o que contiver no bilhete, impõe direitos aos torcedores e obrigações aos organizadores do evento, pois, frise-se, trata-se de uma relação de consumo.
Ademais, a entidade organizadora da partida perderá o mando de jogo por, no mínimo, 6 (seis) meses, caso coloque à venda número de ingressos maior do que a capacidade da praça esportiva, ou permita a entrada de pessoas em número maior do que a capacidade de público, conforme artigo 23, §2º e incisos, da Lei 10.671/03.
Imensas filas, desorganização, cambistas e ingressos falsos são alguns dos entraves encontrados durante a aquisição dos ingressos.

2.1.4 – DO TRANSPORTE

Conforme exposto no tópico referente à segurança, é dever da entidade organizadora comunicar aos órgãos públicos de transporte os dados da partida, para que este proporcione ao torcedor o acesso a transporte seguro e organizado, que lhe é de direito.
Desse modo, a entidade organizadora deve informar o Poder Público com antecedência, para que este organize as rotas e linhas de ônibus, e as alterações de trânsito necessárias, a tempo de cientificar o torcedor.
É o que reza o artigo 26 e incisos, do Estatuto do Torcedor, ao assegurar ao torcedor:

I – o acesso a transporte seguro e organizado;
II – a ampla divulgação das providências tomadas em relação ao acesso ao local da partida, seja em transporte público ou privado; e
III – a organização das imediações do estádio em que será disputada a partida, bem como suas entradas e saídas, de modo a viabilizar, sempre que possível, o acesso seguro e rápido ao evento, na entrada, e aos meios de transporte, na saída.

Também é dever da entidade responsável pela organização solicitar, juntamente com a entidade detentora do mando de jogo, serviços de estacionamento, além de meios de transporte para a condução de idosos, crianças e portadores de necessidades especiais, ainda que onerosos.
Cabe ressaltar que o parágrafo único do artigo 27 dispensa estes últimos deveres, em caso de eventos esportivos realizados em praças cuja capacidade seja inferior a 10.000 (dez mil) pessoas, evitando-se, assim, inviabilizar competição ou prática desportiva de menor proporção.

2.1.5 – ALIMENTAÇÃO E HIGIENE

O Estatuto do Torcedor traz um capítulo que trata somente das condições de alimentação e higiene dos estádios. Nesse capítulo, é garantido ao torcedor higiene, alimentação e instalações físicas de qualidade, sendo dever, portanto do clube mandante e da entidade organizadora assegurar esses direitos.
Resta ao Poder Público, por meio de seus órgãos de vigilância sanitária, fiscalizar o fornecimento desses serviços e disponibilizar, ao torcedor, estádios com número de sanitários, em funcionamento, compatível com a capacidade de público.
Insta salientar que é proibida a imposição de preços excessivos ou aumentos injustificados dos alimentos lá vendidos, impossibilitando assim que os altos preços cobrados pelo monopólio ali existente prejudiquem o torcedor (artigo 28, §2º).
Cumpre frisar que as empresas exploradoras do serviço de fornecimento de alimentação e bebidas nos estádios, e os organizadores do evento esportivo respondem, solidariamente, civil e criminalmente, por problemas causados aos torcedores que tenham consumido alimentação dentro dos estádios, como uma infecção pela ingestão de alimento impróprio para o consumo.

2.2 – ALTERAÇÕES DO ESTATUTO TRAZIDAS PELA LEI 12.299/2010

Em 27 de julho de 2010, foi sancionada, pelo presidente da República, a lei 12.299/10, que modifica o Estatuto do Torcedor. Numa tentativa de acabar com a violência nos esportes em geral, tendo em vista que o Brasil será sede dos dois maiores eventos esportivos mundiais (a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016), a nova Lei alterou o Estatuto em 4 (quatro) pontos principais.

O primeiro deles está previsto no acrescido artigo 1º-A, que assim dispõe:

Art. 1º-A: A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos.

Trata-se de uma ampliação administrativa de responsabilidades, colocando a segurança nos estádios como dever de todos os envolvidos no evento.
Além disso, a nova Lei ampliou a exigência de algumas medidas técnicas contributivas para a manutenção da segurança dos torcedores nas arenas. Tais medidas são o monitoramento, por imagem, do público presente e das catracas, visando controle e fiscalização do acesso do público; que vinham sendo ordenadas, desde a criação do Estatuto, em 2003, aos estádios com capacidade superior a 20.000 (vinte mil) torcedores. Desde 2010, estas normas se estenderam aos estádios com capacidade superior a 10.000 (dez mil) pessoas.
Os Governos anunciaram isenções de tributo para as empresas que quiserem contribuir para a reforma destes estádios menores, com implementação de sistemas de monitoramento e câmeras, mas essa reestruturação exige um tempo razoável, o que gera certa desconfiança com relação à aplicabilidade do Estatuto.
O segundo ponto das alterações é o que lida com a torcida organizada. Não existia, até então no país, nenhuma previsão legal definindo torcida organizada e quais são suas responsabilidades. Dessa forma, o artigo 2º-A, incluído ao Estatuto pela Lei 12.299/10, assim conceitua este grupo:

Art. 2º-A. Considera-se torcida organizada, para os efeitos desta Lei, a pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade.

Este artigo tem relevância ímpar, haja vista traz à torcida organizada um conceito, e a ciência de que ela tem uma série de direitos e deveres. Dentre os deveres, o próprio parágrafo único do citado artigo determina a ela o dever de manter cadastro atualizado de seus associados ou membros, o qual deverá conter, pelo menos, as seguintes informações:

I – nome completo;
II – fotografia;
III – filiação;
IV – número do registro civil;
V – número do CPF;
VI – data de nascimento;
VII – estado civil;
VIII – profissão;
IX – endereço completo; e
X – escolaridade.

O objetivo é manter controle sobre os indivíduos que se apresentam como representantes de determinada torcida. O cadastramento é realizado de forma privada, as próprias associações o fazem, embora o Poder Público tenha acesso na eventualidade de uma ocorrência.
É que a torcida organizada passa a responder civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento, a mando do artigo 39-B da referida Lei.
Nessa esteira, verificando-se a ocorrência de determinado crime ou infração às condições de acesso e permanência, por exemplo, por um indivíduo que está no cadastro de alguma torcida organizada, esta pode ser sancionada. Ora, como em todas as esferas da vida civil, as associações têm responsabilidades sobre seus membros, e isso não poderia ser diferente nesse caso.
O terceiro ponto são as condições de acesso e permanência nos eventos esportivos, exposto neste Trabalho no tópico relativo à segurança (item 2.1.2), no que tange o artigo 13-A, o qual traz algumas normas de conduta dos torcedores para ingressar ao recinto esportivo e ter garantido seus direitos previstos na legislação.
São elas:

I – estar na posse de ingresso válido;
II – não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência;
III – consentir com a revista pessoal de prevenção e segurança;
IV – não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo;
V – não entoar cânticos discriminatórios, racistas ou xenófobos;
VI – não arremessar objetos, de qualquer natureza, no interior do recinto esportivo;
VII – não portar ou utilizar fogos de artifício ou quaisquer outros engenhos pirotécnicos ou produtores de efeitos análogos;
VIII – não incitar e não praticar atos de violência no estádio, qualquer que seja a sua natureza; e
IX – não invadir e não incitar a invasão, de qualquer forma, da área restrita aos competidores.

Essas condições têm o condão de induzir o trabalho preventivo de informar a sociedade e as torcidas quais condutas são consideradas ilícitas, além de trazer uma clareza para os agentes de segurança do evento, facilitando as ações policiais para retirar os indivíduos que estejam cometendo infrações.
Outrossim, a nova lei prevê a criação dos Juizados Especiais do Torcedor. A idéia é que cada recinto de grande porte possua um juizado especializado para este tipo de situação, de maneira seja possível obter-se uma sentença civil ou penal de imediato. Isso contribuirá incomensuravelmente para a aplicabilidade plena do Estatuto.
Há três anos, o Juizado foi implantado em Pernambuco, atuando em todas as partidas de futebol realizadas na Região Metropolitana e no interior do Estado. Conforme se extraiu do sítio da OAB/PE, a iniciativa reduziu em 96% a violência nos estádios.
O Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Goiás, trabalha para, consoante noticiado no sítio da OAB/GO, solicitar ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás a criação do Juizado Especial de Defesa do Torcedor ligado à Comarca de Goiânia. O órgão terá competência para processar, julgar e executar os feitos criminais relativos às infrações de menor potencial ofensivo e aos crimes previstos no Estatuto do Torcedor.
Por fim, o quarto ponto é a inclusão de tipos penais, e nesse ponto a legislação é bastante rígida. Tipifica-se, pela primeira vez no Brasil, a prática do cambismo, e a fraude de resultados, entre outros crimes.
Com o novo Estatuto, o torcedor que invadir o campo, praticar atos de violência e vandalismo, e andar com objetos que ofereçam risco, podem ser punidos com multa, ser banidos dos estádios, além de pegar até 2 anos de prisão. Nem mesmo o árbitro que interferir no resultado do jogo vai escapar da punição, podendo pegar até 6 anos de prisão.
A reforma é muito importante com relação aos cambistas, porque a legislação que se pretendia aplicar antes, que era a Lei de Economia Popular (Lei 1.521/1951), por muito antiga, não era aplicada pela maioria dos magistrados. Até a polícia deixava de coibir de forma eficaz o cambismo, pela ausência de uma legislação adequada. Assim, a nova Lei criou mecanismos efetivos para a prevenção destes ilícitos.
As mudanças almejam, fundamentalmente, a manutenção do evento desportivo como um evento democrático, com participação popular efetiva. A idéia não é restringir nem obstaculizar a liberdade de nenhum torcedor, pelo contrário, é permitir que as praças esportivas sejam cada vez mais frequentadas por toda a sociedade, e com segurança.

CAPÍTULO III – DA APLICAÇÃO PRÁTICA DO ESTATUTO

3.1 – A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES ENTRE O TORCEDOR E O FORNECEDOR DO EVENTO ESPORTIVO

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXII, bem como em seu artigo 170, inciso V, impôs ao Estado o dever de promover a defesa do consumidor, na forma da lei. Assim, em 11 de setembro de 1990, instituiu-se a Lei nº 8.078, conhecida como o Código de Defesa do Consumidor.
Com efeito, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor se dá quando configurada a relação jurídica de consumo, na qual um consumidor adquire de um fornecedor determinado produto ou serviço, como destinatário final. Mister se faz necessário explanar estes elementos.
O artigo 2º do CDC define o consumidor como sendo toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Acrescenta-se que a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo, é equiparada a consumidor, como nos casos de publicidade enganosa ou práticas comerciais abusivas.
Fornecedor, nos termos da Lei, é conceituado como toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou serviços.

Entende-se por produto qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial, destinado à satisfação do consumidor; e por serviço qualquer atividade desenvolvida no mercado de consumo, mediante remuneração, em favor do consumidor.
Partindo dessas concepções, verifica-se claramente a existência de uma relação jurídica de consumo entre o torcedor e os organizadores de um evento esportivo. Ao adquirir um ingresso para assistir a uma partida de futebol, por exemplo, o torcedor adquire um produto como destinatário final de um serviço, qual seja o espetáculo esportivo promovido pelo fornecedor (clubes e organizadores do evento).
Ademais, o próprio Estatuto do Torcedor, nos preceitos do artigo 3º, expressamente equipara a fornecedor as entidades responsáveis pelo evento esportivo, referindo-se à Lei 8.078/90.
De qualquer forma, a criação de Lei específica para defesa dos interesses do torcedor enquanto consumidor não exclui a aplicação do Código, pelo contrário, o complementa.
Aliás, a qualquer relação jurídica considerada como de consumo devem ser aplicados os princípios básicos do Código de Defesa do Consumidor. E estes preceitos básicos são uma exteriorização dos princípios e garantias constitucionais, conforme preceitua o próprio CDC em seu artigo 1º:

Art. 1°: O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

Desse modo, toda lei específica que regule uma determinada relação de consumo, como no caso do Estatuto do Torcedor, deve harmonizar tais preceitos gerais, sob pena de invalidade ou nulidade, haja vista que o sistema principiológico do Código não pode ser desobedecido.
Por isso, o Estatuto do Torcedor foi projetado de forma a complementar a lei de defesa do consumidor naquela relação jurídica de consumo específica (torcedor/organizador do evento), devendo ser utilizado sempre adjacente ao Código de Defesa do Consumidor.
Nos casos concretos, a jurisprudência não é em outro sentido, a exemplo dos julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a seguir transcritos:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL E MATERIAL. TUMULTO EM ESTÁDIO DE FUTEBOL. LESÃO CORPORAL EM TORCEDOR. A Lei nº 10.671/03 (Estatuto de Defesa do Torcedor) foi editada em complementação à Lei nº 8.078/90, razão pela qual as respectivas normas devem ser aplicadas em conjunto. Por conseqüência, a responsabilidade da entidade desportiva, por danos causados ao torcedor, é objetiva, a teor do art. 14 do CDC. Havendo prova de que o serviço foi mal prestado, do dano e do nexo de causalidade, há o dever de reparação. Falha na prestação do serviço que está consubstanciada na venda excessiva de ingressos aos torcedores do time adversário e da visível desorganização do clube diante dessa situação. Lucros cessantes que precisam ser apurados com amparo em critérios razoáveis, na busca de uma indenização justa, a partir da prova produzida. Art. 402 do novo CC. Valor da reparação do dano moral mantida. Responsabilidade que, no caso, é contratual, incidindo, os juros moratórios, a partir da citação. Art. 219 do CPC. Agravo retido não conhecido e apelo provido em parte. (TJRS, Apelação Cível nº 70010299618, Quinta Câmara Cível, relator Desembargador Leo Lima, Julgado em 10/03/2005)

REPARAÇÃO DE DANOS. TORCEDOR IMPEDIDO DE INGRESSAR EM ESTÁDIO DURANTE PARTIDA DE FUTEBOL, EMBORA TIVESSE ADQUIRIDO INGRESSO. ESTATUTO DO TORCEDOR. DIREITO À REPARAÇÃO DOS DANOS. Busca a parte autora indenização pelos danos materiais e morais sofridos ao não ingressar no Estádio onde ocorreria a partida Grêmio x Cruzeiro pela Taça Libertadores da América. Ilegitimidade passiva do requerido afastada. Preliminar que se confunde com o mérito. São aplicáveis ao caso a Lei n° 10.671/03 – Estatuto de Defesa do Torcedor – e a Lei n° 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor -. Como se vê do texto dos artigos 3º e 14 da Lei n° 10.671/03, o Estatuto do Torcedor faz expressa remissão ao microssistema consumerista, equiparando a entidade responsável pela organização da competição ao fornecedor. A responsabilidade pela segurança do torcedor durante a realização de evento esportivo é da entidade detentora do mando de jogo, conforme art. 17 do Estatuto do Torcedor. Tratando-se de falha na segurança, a responsabilidade é objetiva, ensejando a aplicação, além das regras específicas do Estatuto do Torcedor, do disposto nos arts. 12 a 14 do CDC, que estabelecem a responsabilidade – objetiva – do fornecedor por defeitos na prestação de serviço. E não há falar que a mera solicitação de segurança ao Poder Público (art. 14, I, da Lei n° 10.671/03), pela entidade desportiva, transfere a responsabilidade pela segurança exclusivamente ao Estado. A solicitação de segurança ao Estado é um dos deveres da entidade desportiva, o que não exclui a responsabilidade pela elaboração do plano de ação especial que se refere o artigo 17 do Estatuto. Entidade desportiva deve responder independentemente de culpa pelos prejuízos causados ao torcedor. Assim, ainda que tenha sido requisitada segurança ao Poder Público e estando esta efetivamente presente no estádio, se o ilícito ocorreu é de se concluir que a segurança prestada era insuficiente ou defeituosa, ensejando, assim, na forma do art. 19 da Lei n° 10.671/03, combinado com o art. 14 da Lei n° 8.078/90, o dever de indenizar da entidade desportiva. Dano moral in re ipsa. Quantum indenizatório mantido visto que atende aos parâmetros adotados pelas Turmas Recursais. (Ementa extraída do Recurso Inominado nº 71002390987, relatado pelo Dr. Fábio Vieira Heerdt, julgado em 24/06/2010). Recurso provido. (TJRS, Recurso Cível Nº 71002820546, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ricardo Torres Hermann, Julgado em 28/10/2010)

À vista do exposto, conclui-se, indubitavelmente, que o torcedor de um espetáculo esportivo é um consumidor protegido não só pelo Código de Defesa do Consumidor, mas também pelo Estatuto do Torcedor.

3.2– A RESPONSABILIDADE CIVIL À LUZ DO ESTATUTO DO TORCEDOR

Conforme apresentado, o Estatuto do Torcedor confere, em seu artigo 14, caput, a responsabilidade pela segurança dos torcedores às entidades com mando de jogo e seus dirigentes:

Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes (…)

Ademais, o artigo 19 da mesma Lei é contundente ao fixar que a entidade responsável pela organização da competição e seus dirigentes respondem, solidariamente e objetivamente, com a entidade detentora do mando de jogo e seus dirigentes, pelos danos causados aos torcedores em razão de falha na segurança.
Extrai-se, desses dispositivos, que o Estatuto trouxe à tona dois institutos importantes: i) da responsabilidade civil solidária e objetiva; e ii) da desconsideração da personalidade jurídica. Em consequência disso, houve polêmica na fase inicial de implantação do Estatuto. Vários dirigentes, temidos pelas possíveis responsabilizações, criaram resistência à aprovação da norma. De qualquer forma, apesar da divergência, a lei foi sancionada e deve ser aplicada.
Pois bem, em um conceito bastante simples, STOCO, (2007), define que “A noção de responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim ‘respondere’, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém por seus atos danosos.”
A responsabilidade civil está contida na relação de causalidade entre uma conduta culposa do agente e um dano sofrido pela vítima. Têm-se, então, a presença indispensável dos seguintes elementos: conduta (ação ou omissão), culpa, dano e nexo de causalidade. Antes do Estatuto do Torcedor, as entidades responsáveis pelo evento esportivo somente poderiam ser responsabilizadas, se demonstrados e provados todos estes requisitos.
Por exemplo, o torcedor “A” vai ao Estádio Serra Dourada assistir à partida entre Goiás Esporte Clube e Vila Nova Futebol Clube, com mando de campo daquele. Durante a partida, o torcedor “B” joga para o alto uma pedra, que cai na cabeça de “A”, causando-lhe uma lesão.
Restaram-se demonstrados, portanto, a conduta (ação de “B”), o dano (lesão sofrida por “A”), e o nexo de causalidade. Porém a evidência da culpa obstava o direito de indenização do torcedor, haja vista que nenhuma das entidades responsáveis pelo evento teve culpa pelo dano causado.
A partir da vigência da Lei 10.671/2003, surgiu para as entidades e seus dirigentes o dever de responsabilidade sem culpa, a chamada responsabilidade objetiva. STOCO, (2007) sintetiza a evolução da responsabilidade objetiva da seguinte forma:

A multiplicação das oportunidades e das causas de danos evidenciaram que a responsabilidade subjetiva mostrou-se inadequada para cobrir todos os casos de reparação. Esta, com efeito, dentro da doutrina da culpa, resulta da vulneração de normas preexistente, e comprovação de nexo causal entre o dano e a antijuridicidade da conduta do agente. Verificou-se, que nem sempre o lesado consegue provar estes elementos. Especialmente a desigualdade econômica, a capacidade organizacional da empresa, as cautelas do juiz na aferição dos meios de prova trazidos ao processo nem sempre logram convencer da existência da culpa, e em conseqüência a vítima remanesce não indenizada, posto se admita que foi efetivamente lesada (Caio Mário, op. cit., p. 260).

A responsabilidade objetiva é baseada na teoria do risco. Por esta teoria, se alguém coloca à disposição uma atividade ou um serviço, responde pelos eventuais danos que estes causarem para os indivíduos, sem necessário se apurar, em cada caso específico, se o dado foi resultado de imprudência ou negligência.
Em uma partida de futebol, por exemplo, a qual movimenta milhares de pessoas nas arenas, aqueles que a organizam geram risco com a sua atividade, e devem se responsabilizar por qualquer dano proveniente de falha na segurança, independentemente de culpa, como manda o estatuto do torcedor.
Em outras palavras, na responsabilidade objetiva não há que se falar em culpa, tampouco presumida. Os fornecedores do serviço, no caso as entidades responsáveis pelo evento, responderão por quaisquer danos causados aos seus consumidores, em decorrência de vício na segurança.
Ressalta-se, às entidades são garantidos os direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa, de maneira tal que a elas cabe a alegação e a prova da culpa exclusiva da vítima para a ocorrência do dano, excluindo-se seu dever de responsabilidade.
Outrossim, além de objetiva, o Estatuto define que a responsabilidade entre os responsáveis pelo evento é solidária, ou seja, o clube com mando de campo responde juntamente com a entidade organizadora da competição, pelos danos, independentemente de quem tenha cometido vício na prestação do serviço.
Partindo do mesmo exemplo dado acima, o torcedor “A” poderá ajuizar uma ação de reparação de danos, ou de indenização, em face de Goiás Esporte Clube, entidade com mando de campo, e da entidade organizadora do evento, no caso a Federação Goiana de Futebol, ainda que a falha na segurança tenha sido culpa de um ou de outro.
Cabe aqui colacionar exemplar julgar do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sobre o tema, ipsis litteris:

APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ASSALTO E LESÕES CORPORAIS PERPETRADAS EM ESTÁDIO DE FUTEBOL. DANO MORAL. FALHA NA SEGURANÇA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ENTIDADE DESPORTIVA. LEI 10.671/03 E LEI 8.078/90.
1. O autor busca ser indenizado pelos danos materiais e morais sofridos em razão de ter sido agredido fisicamente por cinco assaltantes dentro do Estádio Olímpico, durante a realização de um jogo de futebol Gre-Nal.
2. São aplicáveis ao caso a Lei n° 10.671/03 – Estatuto de Defesa do Torcedor – e a Lei n° 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor -. Como se vê do texto dos artigos 3º e 14 da Lei n° 10.671/03, o Estatuto do Torcedor faz expressa remissão ao microssistema consumerista, equiparando a entidade responsável pela organização da competição ao fornecedor.
3. A responsabilidade pela segurança do torcedor durante a realização de evento esportivo é da entidade detentora do mando de jogo. E tal responsabilidade, tratando-se de prejuízos causados pela falha na segurança, é objetiva, ensejando a aplicação, além das regras específicas do Estatuto do Torcedor, do disposto nos arts. 12 a 14 do CDC, que dizem, por sua vez, com a responsabilidade – objetiva – do fornecedor por defeitos no fornecimento de produtos ou na prestação de serviço.
4. E não há falar que a mera solicitação de segurança ao Poder Público (art. 14, I, da Lei n° 10.671/03), pela entidade desportiva, transfere a responsabilidade pela segurança ao Estado. A solicitação de segurança ao Estado é um dos deveres da entidade desportiva, que lhe é imposto justamente por ser sua – e isto decorre de expressa imposição legal (caput do art. 14 da Lei antes mencionada) – a responsabilidade pela segurança durante a realização do evento.
5. Considerando que um evento esportivo de grande porte reúne enorme contingente de pessoas, de todos os meios sociais e culturais e com os mais diversos “ânimos”, qualquer tipo de ilícito que ocorra no local é, sim, previsível. Não se pode afastar a hipótese de que, durante um jogo de futebol, ocorram roubos, furtos e lesões corporais, dentre outras infrações. Daí a incorreção em concluir-se que o fato ocorrido com o autor consistiu em caso fortuito. Ora, se era previsível e provável que fatos desta espécie ocorressem, e cabia ao réu promover a segurança do local, é a ele imputável a responsabilidade pelo dano perpetrado ao autor.
6. Ainda, mesmo tendo sido requisitada segurança ao Poder Público e estando esta efetivamente presente no estádio, se o ilícito ocorreu é de se concluir que a segurança prestada era insuficiente ou defeituosa, ensejando, assim, na forma do art. 19 da Lei n° 10.671/03, combinado com o art. 14 da Lei n° 8.078/90, o dever de indenizar da entidade desportiva.
7. O autor, muito embora tenha alegado prejuízo material, consistente em despesas com médicos e medicamentos, não declina o montante do dano, nem comprova que efetivamente tenha se produzido. Improcede, pois, o pedido de ressarcimento de dano material.
8. O dano moral, por sua vez, está ínsito na própria ofensa, configurando-se, neste caso, in re ipsa. O fato de o autor ter sofrido grave agressão física, que lhe causou afundamento dos ossos da face e lhe impôs a necessidade de implantação de pinos e placas de metal no rosto, é, por si só, fato suficientemente idôneo a gerar abalo moral.
9. Considerando as peculiaridades do caso em tela, fixo o quantum indenizatório por danos morais em R$ 15.000,00, que deverão sofrer correção pelo IGP-M, desde esta data, e acréscimo de juros moratórios de 1% ao mês, desde a citação. PROVIDO EM PARTE O APELO. PREJUDICADO O RECURSO ADESIVO. (Apelação Cível – n° 70013709761 – TJRS)

Além do mais, o Estatuto permite a desconsideração da personalidade jurídica, quando confere, aos dirigentes, a responsabilidade solidária às suas entidades. A própria Lei define, no artigo 37, §1º, que os dirigentes responsáveis serão sempre: I – o presidente da entidade, ou aquele que lhe faça as vezes; e II – o dirigente que praticou a infração, ainda que por omissão.
O Presidente e o Diretor Administrativo do Esporte Clube Bahia são exemplos disso. Pois, consoante noticiado pelo sítio do A TARDE, (2007), os dois foram afastados do cargo, por decisão judicial, em razão da negligência no caso do acidente ocorrido no Estádio da Fonte Nova, já citado no presente Trabalho.

3.3 – A RESPONSABILIDADE PENAL DECORRENTE DA VIOLAÇÃO AO ESTATUTO

Ante o exposto, dentre as alterações do Estatuto do Torcedor ocorridas com o advento da Lei 12.299/2010, encontra-se a inclusão do Capítulo XI-A – “DOS CRIMES”, no qual foram inseridos tipos penais incriminadores do artigo 41-B ao artigo 41-G.
Como não é objetivo deste Trabalho dissertar sobre a Teoria do Crime, calha apenas definir os principais elementos do crime. De acordo com a corrente majoritária do Direito Penal Brasileiro, crime é todo fato típico, ilícito e culpável.
Primeiramente, o fato típico é um fato advindo de um comportamento humano que se amolda ao tipo penal, infringindo-o. Seus elementos são a conduta, o resultado, o nexo causal e a tipicidade.
Por conduta, tem-se toda ação ou omissão, consciente e voluntária, dolosa ou culposa, dirigida a uma finalidade; resultado é toda modificação do mundo físico, causada pela conduta; nexo causal é a relação natural, de causa e efeito, entre a conduta e o resultado, necessário para se atribuir a responsabilidade pelo resultado ao agente; e a tipicidade é a correspondência entre o fato concreto e o tipo incriminador.
Quando todos esses elementos estão completos, constata-se a consumação de um crime, nos termos do artigo 14, inciso I, do Código Penal.
Em segundo plano, a ilicitude, ou antijuridicidade, é uma ação praticada a qual é contrária à norma penal, ou seja, toda conduta típica é antijurídica, a priori, a não ser que no caso concreto se apure alguma das causas previstas em Lei capazes de excluir a antijuridicidade (legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito).
Por fim, a culpabilidade é estrutura relacionada à reprovabilidade, no sentido de juízo de censura sobre a conduta do sujeito que, livre para agir, poderia e deveria ter agido de acordo com o ordenamento. Em palavras outras, quem é imputável, tem potencial conhecimento da ilicitude, e que no caso concreto poderia exigir-se conduta diversa, é considerado culpável.
A responsabilidade penal é, portanto, o dever jurídico que o agente imputável tem de responder pela ação delituosa praticada, determinada pela violação da norma penal. Enquanto a responsabilidade civil tem cunho reparatório, a responsabilidade penal tem caráter punitivo.
Nessa linha, a responsabilidade penal incide face à infração de um tipo penal incriminador, caracterizando-se o crime ou a contravenção. Por exemplo, no artigo 41-B, da Lei 10.671/2003, a seguir transcrito, tipificou-se a conduta daquele que promove tumulto, pratica ou incita violência, bem como invade o recinto restrito aos competidores:

Art. 41-B. Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos:
Pena – reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.
§1º. Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que:
I – promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento;
II – portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência.
§2º. Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo.
§3º. A pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converter-se-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta.
§4º. Na conversão de pena prevista no § 2o, a sentença deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada.
§5º. Na hipótese de o representante do Ministério Público propor aplicação da pena restritiva de direito prevista no art. 76 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, o juiz aplicará a sanção prevista no §2º.

Caso um agente pratique tal conduta, há violação a um tipo penal e, se não estiver presente alguma das causas excludentes de antijuridicidade ou de culpabilidade, haverá aplicação de uma pena privativa de liberdade de 1 (um) a 2 (dois) anos, pessoal e intransferível ao infrator, visando à punição e à reparação da ordem social.
Antes da Lei 12.299/2010, o artigo 39 do Estatuto do Torcedor previa, para esta mesma conduta, a sanção administrativa de restar-se impedido de comparecer às proximidades, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de três meses a um ano.
O citado artigo foi revogado, e incluiu-se o artigo 39-A, o qual alterou o sujeito ativo de torcedor individual para a torcida organizada, senão vejamos:

Art. 39-A. A torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto; praticar ou incitar a violência; ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 3 (três) anos.

GOMES, (2010), criticou as alterações:

Diferentemente do artigo 39-A que cuidou da conduta pertinente às torcidas organizadas, o artigo 41-B especificou o crime a ser imputado de maneira individual àquele que se porta de maneira a causar transtornos nos estádios de competição esportiva. Dificilmente alguém conseguirá apontar uma das condutas incriminadas que não tivesse enquadramento típico no direito anterior. A sobreposição de tipos penais, que é fonte de incontáveis controvérsias jurídicas, é outra característica do populismo penal (que é regido, normalmente, pela improvisão legislativa).
As mortes e selvagerias incontáveis (sobretudo aquelas dos torcedores do Coritiba, no final de 2009) geraram emocionadas reações populares e midiáticas sempre canalizadas para o maior rigor penal. Os meios de comunicação, que bem sabem selecionar e hiperdramatizar a violência, cumpriram (uma vez mais) o seu papel de ecoar o clamor público. O Poder Político (de modo especial o legislador), que é extremamente sensível a esse tipo de demanda (popular) e de pressão (midiática), sobretudo diante de cada emergência penal, em lugar de incentivar uma séria política de prevenção da violência, adotando medidas concretas para evitá-la, aciona (como sempre) sua fábrica de leis, que é, em regra, emocional, irracional e desproporcional, vendendo-as (as leis) como remédio (como mercadoria) certo (certeiro) para o problema da insegurança pública (e do medo que dela decorre).

Os demais tipos penais inseridos no Estatuto do Torcedor são os seguintes:

Art. 41-C. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa;

Art. 41-D. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa;

Art. 41-E. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa;

Art. 41-F. Vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete:
Pena – reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa;

Art. 41-G. Fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete:
Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.
Parágrafo único. A pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o agente for servidor público, dirigente ou funcionário de entidade de prática desportiva, entidade responsável pela organização da competição, empresa contratada para o processo de emissão, distribuição e venda de ingressos ou torcida organizada e se utilizar desta condição para os fins previstos neste artigo.

A nova Lei objetivou a redução da violência nos estádios e a garantia da idoneidade das competições, ao tipificar condutas como a prática da violência, a corrupção visando alteração de resultado, a fraude nos resultados e o cambismo.

CONCLUSÃO

Pelo exposto no presente trabalho, conclui-se que a origem do Estatuto do Torcedor se deu com a finalidade de acabar com o grave problema da falta de segurança nas arenas esportivas, haja vista a constatação de que o esporte depende cada vez mais do seu público consumidor.
A despeito da existência do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), o Estado entendeu necessário produzir um ordenamento jurídico específico para uma relação jurídica de consumo específica: a existente entre o torcedor e o fornecedor do espetáculo esportivo.
O advento do Estatuto buscou a reestruturação do desporto nacional, estimulando-se a organização dos jogos, a qualidade da infraestrutura e as melhorias relacionadas com a segurança dos torcedores nas arenas.
Ademais, as alterações trazidas pela Lei 12.299/2010 almejam, fundamentalmente, a manutenção do evento desportivo como um evento democrático, com participação popular efetiva.
O objetivo primordial do presente estudo, qual seja, demonstração de que o Estatuto do Torcedor confere instrumentos hábeis à exigência dos direitos do consumidor do esporte, foi devidamente atingido quando se analisou fundamentalmente cada um dos direitos protegidos pela Lei, além de explanar sobre as diversas responsabilidades decorrentes da sua violação.
O intuito foi de conscientizar o torcedor acerca da existência da Lei e da necessidade de aplicá-la a seu favor, de modo que as entidades responsáveis pela organização do desporto no Brasil o tratem com mais dignidade.
Todavia, na prática, concluiu-se pela inaplicabilidade do Estatuto em vários aspectos, dentre eles a questão da falta de segurança, como primordial. De fato, ir ao Estádio torcer, principalmente nos grandes jogos (quando se desperta maior interesse), é um evento de risco, ao invés de um lazer, um entretenimento. Além disso, as praças esportivas não proporcionam ao torcedor um tratamento de qualidade, com acomodação decente, alimentação adequada, higiene digna e transporte eficaz.
Espera-se que o presente Estatuto atinja sua aplicabilidade plena, principalmente em tempos de véspera de grandes eventos desportivos no país. A Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 colocarão os olhos do mundo voltados ao Brasil, que tem a obrigação de demonstrar talento não só dentro de campo, mas também fora dele.
E para tanto, é imperiosa a atuação do Ministério Público, seja no ajuizamento de Ações Civis Públicas, ou administrativamente, através de assinatura de Termos de Ajustamento de Condutas com as entidades. Outrossim, conta-se com a colaboração dos veículos de comunicação, no sentido de divulgar os direitos aos torcedores, bem como de fiscalizar o exercícios dos referidos órgãos no cumprimento de seus deveres.
Por fim, conclui-se ser imprescindível que os torcedores conheçam a legislação e exijam sua praticidade através das medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.

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