A NECESSIDADE DE CRIAÇÃO DE JURISDIÇÃO EMPRESARIAL ESPECIALIZADA NO PODER JUDICIÁRIO GOIANO

GUILHERME BENTZEN

 

1. A JURISDIÇÃO EMPRESARIAL E OS EXEMPLOS A SEREM SEGUIDOS

É cediço o dinamismo e a complexidade do direito empresarial, haja vista acompanhar as alterações dos mercados, a velocidade das negociações e das relações econômicas, aliás, daí se extrai um de seus princípios inerentes – o da simplicidade das formas, no sentido de que a economia moderna impõe menos formalismo e uma disciplina mais célere dos negócios[1].

Assim, as lides empresariais necessitam de soluções céleres, pois a atividade comercial gravita em torno de um sistema de mercado que se altera constantemente, não podendo os negócios ou a vida ativa de uma empresa ficar à mercê de uma decisão judicial.

Como bem aduziu Carlos Henrique Abrão:

 

Hoje os juízes se transformaram em fator de produção, não há mais o tempo de reflexão, de análise ou de estudo a respeito do tema, tudo demanda uma celeridade incompatível com o perfil da estruturação do impasse jurisdicional.

E o tempo razoável do processo, aquilo que se denomina efetividade, passa a ser o instrumento central de toda causa.

Sabemos que a morosidade e a lentidão do Judiciário Nacional são preocupantes, mas sem magistrados especializados e sabedores das ferramentas que dispõem, as dúvidas remanescerão e os descréditos dos empresários recrudescerão[1].

 

A diversidade e a complexidade dos institutos jurídicos aumentaram de tal forma a não mais ser possível que o magistrado tenha pleno conhecimento de todos os assuntos de todas as áreas jurídicas.

Em outras palavras, atualmente é incabível um mesmo desembargador, por exemplo, julgar com eficiência e tempo hábil, no mesmo período, uma apelação em ação de divórcio e um agravo de instrumento em recuperação judicial.

Destarte, em face do crescente número de demandas surgidas nesse segmento, indispensável se faz a especialização da jurisdição e dos profissionais envolvidos – advogados, magistrados, promotores de justiça, serventuários e auxiliares, até porque se exige, do aplicador do direito empresarial, conhecimentos básicos também nas áreas de Administração de Empresas, Economia e Contabilidade, para melhor concepção dos anseios tutelados.

Pois bem, quando se busca um exemplo de jurisdição empresarial, o principal nome que vem a tona é Delaware, estado norte-americano reconhecido mundialmente pelo seu sistema judiciário eficiente, com notória proeminência na área de direito empresarial.

O Tribunal de Chancelaria de Delaware, fundado em 1792, é considerado por muitos especialistas e advogados com experiência internacional a corte mais importante dos Estados Unidos, quando o assunto se trata de negócios ou direito empresarial[2].

A fórmula para tamanha consagração, segundo conclui o advogado Lewis S. Black, é que lá há

 

uma legislação societária moderna e reconhecida nacionalmente; uma jurisprudência bem desenvolvida que facilita o planejamento de negócios; o respeitado Tribunal de Chancelaria para lidar com questões societárias que possam surgir; um Gabinete de Estado eficiente e amigável; e um legislador que coloca uma alta prioridade em matéria de direito das sociedades e está empenhado em manter as leis de Delaware atuais[3].

 

Este panorama contribui, outrossim, na celeridade dos julgamentos, que se dão normalmente no prazo de 180 dias, ressalvando-se que a Corte “pode e resolverá determinados recursos durante o prazo de alguns dias se necessário, especialmente em disputas empresariais que demandem resposta rápida e em tempo real”[4].

O resultado deste empenho coletivo é o local se tornar referência atrativa para a abertura de empresas, logo, um dos principais centros financeiros do país:

 

Delaware tem sido lugar de destaque para constituição de sociedades desde o início do século vinte, e tais constituições, complementadas pelo crescimento do número de “entidades alternativas”, como limited liability companies (“sociedades de responsabilidade limitada”), limited partnerships (“sociedades limitadas”) e statutory trusts (“agente fiduciário”), continuam a crescer de forma inteligente. Cerca de um milhão de entidades empresariais possuem em Delaware seu domicílio legal. Além disso, embora o número total de sociedades organizadas em Delaware seja significativo, mais significativo ainda é o fato de que muitas sociedades grandes e importantes são constituídas em Delaware. Das sociedades que compõem a lista da Fortune 500, mais da metade foram constituídas em Delaware. Não é à toa que Delaware se tornou praticamente uma marca para o “negócio” de servir como domicílio oficial para as sociedades[5].

 

No Brasil, em contrapartida, desde a extinção dos Tribunais de Comércio e a unificação da jurisdição, que tornou a justiça comum competente para apreciar o direito comercial, há poucos exemplos de justiça especializada, célere e eficaz para resolver conflitos de natureza jurídica empresarial.

Dessa forma, muitas empresas buscam a resolução de seus litígios perante as Cortes de Conciliação e Arbitragem, por considerá-las o melhor meio sem obstaculizar a atividade econômica, levando-se em conta os fatores custo e tempo de duração dos processos.

Todavia, a despeito de a arbitragem ser um louvável meio de solução de conflitos na área empresarial, é alternativo, enquanto o Judiciário, principal, não deve ficar aquém, ou mesmo não ser considerada uma opção para os empresários.

Nessa senda, a especialização em direito empresarial, pelo judiciário brasileiro, é um processo natural inegável, tal qual ocorreu em outros setores – as varas de família, infância e juventude, da fazenda pública, ambiental, entre outras, são comuns em todos os fóruns nacionais. Trata-se de um processo que acompanha as mudanças na sociedade: o assunto se sobressai, a legislação se amplia, a complexidade aumenta, com isso, o Estado também se focaliza, para proporcionar uma melhor prestação jurisdicional.

Muitos juristas atestam que a Justiça Empresarial é viável, e pelos exemplos de Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, demonstrados a seguir, traz resultados: há empresas hoje que, se possível, elege em seus contratos tais foros para demandar suas ações, pois sabe que pode contar com as varas especializadas, mais rápidas e com uma previsibilidade maior.

 

1.1. Rio de Janeiro

A justiça carioca é o principal exemplo a ser seguido pelos tribunais pátrios, no que se refere à especialização em direito empresarial.

No Rio de Janeiro, desde 2001, as já existentes Varas de Falências e Concordatas passaram a julgar outras matérias, como Comércio Marítimo, Direito Societário e Propriedade Intelectual, oportunidade em que foram denominadas Varas Empresariais.

Atualmente, há na Comarca da Capital do Estado 07 (sete) Varas Empresariais, as quais também concentram ações atinentes à arbitragem[1] e possuem competência para julgar inclusive ações coletivas relativas ao Direito do Consumidor, nos termos do Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro:

Art. 94 – Haverá na Comarca da Capital do Estado:

(…)

VII – sete Juízos de Direito de Varas Empresariais.

 Art. 101 – Aos Juízes de Direito das Varas Empresariais compete, por distribuição, exercer as atribuições definidas no art. 91, e também processar e julgar as ações coletivas previstas no Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.

 Art. 91 – Compete aos Juízes de Direito, especialmente em matéria de falências e concordatas:

I – processar e julgar:

a) as falências e concordatas e os feitos que, por força de lei, devam ter curso no juízo da Vara Empresarial;

b) os feitos que, por força da lei, devam ter curso no juízo da falência ou da concordata;

c) as execuções por quantia certa contra devedor insolvente, inclusive o julgamento do pedido de declaração de insolvência;

d) as causas relativas a Direito Societário, (…);

e) as causas relativas à propriedade industrial e nome comercial;

f) as causas em que a Bolsa de Valores for parte ou interessada;

g) as causas relativas a Direito Marítimo, (…);

II – cumprir as precatórias pertinentes à matéria de sua competência.

A consequência disso não poderia ser outra, senão a celeridade processual e o menor índice de variação dos julgados, garantindo maior segurança jurídica aos jurisdicionados locais.

No que tange à celeridade, a juíza Márcia Cunha Silva Araújo de Carvalho, da 2ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro, aponta que, nos juízos especializados, uma decisão de primeiro grau leva de seis meses a um ano[1], enquanto a média nas demais varas é de 360 a 400 dias[2].

Quanto à segurança jurídica, destaca-se um estudo publicado na Revista DIREITO GV[3], realizado com base em acórdãos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no período entre 2004 e 2006, tratando especificamente de matéria empresarial, como dissolução e sucessão de sociedades, desconsideração da personalidade jurídica, teoria da aparência, entre outras, o qual constatou que a probabilidade de as decisões proferidas nas Varas especializadas serem reformadas em segunda instância é de 12,5% a 15% menor em comparação às sentenças enunciadas por outras Varas Cíveis da Capital.

Sem dúvida, estes dados tornam o cenário mais seguro para as empresas e para os investidores.

 

1.2. Minas Gerais

As Varas Empresariais de Minas Gerais foram criadas em 2006, por meio da Resolução nº 498/2006 do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que alterou a competência e a denominação das Varas de Falências e Concordatas da Comarca de Belo Horizonte:

Art. 1º – As atuais Varas de Falências e Concordatas da Comarca de Belo Horizonte passam a ser denominadas 1ª, 2ª e 3ª Vara Empresarial, respectivamente.

Art. 2º – Compete às Varas Empresariais da Comarca de Belo Horizonte processar e julgar as ações, e seus respectivos incidentes, de falência, recuperação judicial, dissolução e liquidação de sociedades empresariais, bem como homologar o plano de recuperação extrajudicial.

Art. 3º – A redistribuição dos feitos relativos à dissolução e liquidação de sociedades empresariais, a que se refere esta Resolução e que se encontram em trâmite nos diversos Juízos Cíveis da Comarca de Belo Horizonte, será regulamentada mediante Portaria do Corregedor-Geral de Justiça.

No entanto, conforme o artigo 3º supracitado, o deslocamento de matérias que eram competência de Varas Cíveis referentes ao Direito Empresarial ficou restrito às ações que envolviam liquidação e dissolução de sociedades empresariais.

Posteriormente, sobreveio a Resolução nº 647/2010, alterando novamente a competência das Varas Cíveis e das Varas Empresariais da comarca de Belo Horizonte. Neste momento, transformou-se a 2ª Vara Empresarial na 35ª Vara Cível, mantendo, portanto, apenas duas Varas Empresariais, todavia, com a competência ampliada para processar e julgar os feitos relativos às seguintes matérias:

Art. 3º – Compete às Varas Empresariais da Comarca de Belo Horizonte, mediante distribuição, processar e julgar os feitos relativos às seguintes matérias:

I – falência, recuperação judicial, resolução, dissolução e liquidação de sociedades empresariais e seus respectivos incidentes;

II – homologação de plano de recuperação extrajudicial;

III – litígios societários concernentes à constituição, deliberação, transformação, incorporação, fusão e cisão de sociedade empresária;

IV – liquidação extrajudicial ou ordinária de sociedade empresária;

V – registro do comércio e propriedade industrial;

VI – incorporação de créditos ao patrimônio da massa falida;

VII – direito de retirada de que trata o art. 137 da Lei federal nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

Em 2011, o TJMG, através da Resolução nº 679, ampliou novamente a competência das Varas Empresariais, conferindo-lhes atribuição para processar e julgar ações que envolvam matéria arbitral:

Art. 1º – Compete às Varas Empresariais da Comarca de Belo Horizonte processar e julgar:

I – as ações, e seus respectivos incidentes, de execução específica de cláusula compromissória, proposta com fundamento no art. 7º da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996;

II – os pedidos de cumprimento ou execução de sentença arbitral, promovidos na forma do art. 475-I e seguintes da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil, bem como as impugnações oferecidas pelo executado;

III – as ações para decretação da nulidade ou anulação de sentença arbitral, propostas com base no art. 33 da Lei nº 9.307, de 1996.

Vale salientar que, em decorrência da Lei estadual mineira nº 19.477, de 12 de janeiro de 2011, a qual autoriza a adoção do juízo arbitral para a solução de litígio em que o Poder Público seja parte, o artigo 3º da Resolução nº 679 prevê que a competência para julgar conflito envolvendo entidade da Administração Pública direta ou indireta do Estado de Minas Gerais ou do Município de Belo Horizonte, é transferida das Varas Empresariais às Varas da Fazenda Pública Estadual ou às Varas da Fazenda Pública Municipal, respectivamente, conforme o caso.

 

1.3. São Paulo.

 

A justiça paulista, a despeito de possuir duas Varas e uma Câmara Reservada de Falências e Recuperação de Empresas, seguiu o caminho oposto ao de Rio de Janeiro e Minas Gerais, criando, ao invés de Varas Empresariais, Câmaras Reservadas de Direito Empresarial.

A primeira delas surgiu com a Resolução nº 538/2011 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a qual lhe atribuiu, nos termos do artigo 1º, competência para as ações

principais, acessórias e conexas, relativas à matéria prevista no Livro II, Parte Especial do Código Civil (artigos 966 a 1.195) e na Lei n. 6.404/76 (Sociedades Anônimas), bem como a propriedade industrial e concorrência desleal, tratadas especialmente na Lei n. 9.279/96, e a franquia (Lei n. 8.955/94).

Entretanto, naquele mesmo ano, adveio a Resolução nº 558, unificando a Câmara Reservada à Falência e Recuperação Judicial e a Câmara Reservada de Direito Empresarial, as quais passaram a denominar-se, respectivamente, 1ª e 2ª Câmaras Reservadas de Direito Empresarial, ambas com a seguinte competência:

Art. 2º - Excluídos os feitos de natureza penal, as duas Câmaras Reservadas de Direito Empresarial terão competência para julgar os recursos e ações originárias relativos à falência, recuperação judicial e extrajudicial, principais, acessórios, conexos e atraídos pelo juízo universal, envolvendo a Lei nº 11.101/2005, bem como as ações principais, acessórias e conexas, relativas à matéria prevista no Livro II, Parte Especial do Código Civil (arts. 966 a 1.195) e na Lei nº 6.404/76 (Sociedades Anônimas), as que envolvam a propriedade industrial e a concorrência desleal, tratadas especialmente na Lei nº 9.279/96, e a franquia (Lei nº 8.955/94).

Citam-se os dizeres do desembargador José Roberto Bedran, presidente da corte paulista, na época:

O funcionamento da câmara especializada colocará a corte paulista em dia com a modernidade, além de ajudar a desafogar o Judiciário e a reforçar a segurança jurídica, permitindo julgamentos mais céleres em área sensível ao desenvolvimento econômico de São Paulo[1].

Destarte, segundo estatísticas, a corte paulista recebeu, no ano de 2010, 2.509 recursos relacionados ao Direito Empresarial, de modo que, com a criação da Câmara, a expectativa era de que os julgamentos, que poderiam levar um ano, sucedessem em até dois meses[1].

A estrutura permite esta rapidez. Apenas a título exemplificativo, antes da especialização, um pedido de falência em São Paulo podia ser distribuído para mais de quarenta Varas, sendo que cada juízo podia ter um entendimento diverso. Ademais, eventual recurso podia ser direcionado para dez Câmaras distintas, também com possibilidade de orientações distintas.

Atualmente, os processos falimentares e seus eventuais recursos são concentrados nos mesmos juízos especializados, os quais, pela familiaridade do tema e pela reiteração de julgados análogos, estão aptos a proferir decisões congruentes de forma mais ágil.

2. A VIABILIDADE DE O JUDICIÁRIO GOIANO POSSUIR JURISDIÇÃO ESPECIALIZADA EM DIREITO EMPRESARIAL

Ab initio, o Estado de Goiás tinha a seguinte organização judiciária, dada pela Lei nº 9.129, de 22 de dezembro de 1981:

Art. 15 – São órgãos integrantes do Tribunal de Justiça :

I – Tribunal Pleno;

II – Câmaras Cíveis Reunidas;

III – Câmaras Criminais Reunidas;

IV – Câmaras Cíveis Isoladas;

V – Câmaras Criminais Isoladas;

VI – Presidência;

VII – Vice – Presidência;

VIII – Conselho Superior da Magistratura;

IX – Corregedoria-Geral da Justiça;

X – Comissões Permanentes.

 Art. 35 – São oitenta e sete (87) os Juízes de Direito sediados na Comarca de Goiânia, assim enumerados:

I – VARAS CÍVEIS:

a) especializadas:

- 2 Varas da Fazenda Pública Estadual (1ª e 2ª), com 4 juízes;

- 2 Varas da Fazenda Pública Municipal e de Registros Públicos (1ª e 2ª), com 2 juízes;

- 3 Varas de Família e Sucessões (1ª a 3ª), com 3 juízes;

- 1 Vara de Falências, Concordatas e Insolvência Civil, com 1 juiz;

- 2 Varas de Assistência Judiciária (1ª e 2ª), com 4 juízes;

- 1 Vara de Procedimento Sumário, com 2 juízes;

- 1 Vara de Precatórias, com 2 juízes;

b) não especializadas:

- 10 Varas Cíveis (1ª a 10ª), com 20 juízes;

II – VARAS CRIMINAIS:

- 4 Varas de Crimes Dolosos contra a Vida e Presidência do Tribunal do Júri (1ª, 2ª,13ª e 14ª), com 4 juízes;

- 1 Vara de Crimes contra a Saúde Pública e Economia Popular (3ª), com 2 juízes;

- 1 Vara de Execuções Penais (4ª), com 1 juiz;

- 2 Varas de Crimes de Trânsito e Contravenções Penais (5ª e 6ª), com 2 juízes;

- 5 Varas de Crimes Punidos com Reclusão para os quais não exista competência especializada (7ª a 11ª), com 10 juízes;

- 1 Vara de Crimes Punidos com Detenção para os quais não exista competência especializada (12ª), com 2 juízes;

III – DIVERSOS:

- 1 Auditoria Militar, com 1 juiz;

- 1 Juizado de Menores, com 1 juiz;

- 20 Juizados de Pequenas Causas (1º ao 20º), com 20 juízes;

- 4 Juízes Corregedores (1º ao 4º).

Verifica-se, pelo artigo 35 acima transcrito, que a Comarca de Goiânia possuía uma Vara especializada de Falências, Concordatas e Insolvência Civil. Ocorre que, em 2000, com a Lei Estadual nº 13.644, especificamente em seu artigo 38, aquela unidade judiciária foi transformada na 11ª Vara Cível:

Art. 38 – A Vara de Falências, Concordatas e Insolvência Civil, mantido o seu titular, é transformada na 11ª Vara Cível não especializada, com dois (02) Juízes de Direito, e atribuída a todas, de igual natureza, competência também para o processo e julgamento das causas de falências, concordatas e insolvência civil, mediante distribuição.

Em seguida, por meio da Lei Estadual nº 16.307/2008, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás aumentou, de quatro para seis, o número de Câmaras Cíveis:

Art. 4o a estrutura orgânica básica do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás é alterada, conforme recomposição indicada no Anexo I desta Lei, passando: IV  – o quantitativo das Câmaras Cíveis a ser elevado para seis, distribuindo-se metade (1ª, 2ª e 3ª) para a 1ª Seção Cível e metade (4ª, 5ª e 6ª) para a 2ª;

Posteriormente, a Lei Estadual nº 17.542/2012, alterou novamente a estrutura judiciária da Comarca de Goiânia, que passou a vigorar com 19 Varas Cíveis, sendo 03 com competência também em matéria ambiental, além de 06 Varas de Família e Sucessões.

Nesse diapasão, conforme se analisa da transcrição dos artigos supra, não existe mais na Comarca da Capital ou mesmo no Tribunal de Justiça, qualquer órgão (Vara ou Câmara) responsável pela apreciação exclusiva de matérias empresariais.

Vale advertir, no entanto, que o Estado de Goiás tem adotado, na última década, o viés do empreendedorismo, batendo seus recordes de abertura de empresas a cada ano, como registrou a Agência SEBRAE de Notícias[1]:

Dados da Junta Comercial de Goiás (Juceg) mostram que em 2012 foram abertas 28.163 empresas no Estado, número recorde na última década. No ano passado, o aumento foi de 17,8% – terceiro maior índice de crescimento dos últimos dez anos, atrás apenas de 2004 (25%) e 2008 (21%). O levantamento feito pela Juceg é referente a empresas de micro, pequeno, médio e grande portes, além de cooperativas.

Com isso, de forma natural cresce o número de litígios envolvendo o direito empresarial, como embate entre sócios, entre franqueadores e franqueados, disputas de empresas familiares, além de dissoluções de sociedades, falências e recuperações judiciais, fusões e aquisições, concorrência desleal, propriedade industrial, contratos mercantis, enfim, uma gama complexa de assuntos, os quais exigem maior familiaridade no desate das lides.

Sem dúvida, na solução destes conflitos é imperiosa a celeridade do judiciário, no sentido dar respostas ágeis, que coadunam com a dinâmica dos empreendimentos, e com a devida segurança e certeza jurídicas, para não prejudicar a vida empresarial, essencial ao crescimento e desenvolvimento do Estado.

Nessa linha, é cediço que a especialização da justiça goiana traria inúmeros benefícios à sociedade, à luz dos argumentos apresentados ao longo deste trabalho.

Todavia, é imperioso salientar que o momento do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás não viabiliza a criação de novas Varas, por questões estruturais e econômicas.

É notório o déficit de juízes e servidores nas Comarcas goianas, de modo que o TJGO tem elencado como prioridade a elaboração de concursos e o preenchimento de vagas, com o fito de suprir o saldo negativo e resolver os problemas das Comarcas intermediárias com excesso de processos, por conseguinte, a criação de novas varas deve ficar para um segundo momento.

Nessa esteira, antes de se propor a criação de Varas especializadas em direito empresarial, é imperioso analisar a capacidade orçamentário-financeira do órgão. Pois bem, nos termos do caput do artigo 169 da Constituição Federal de 1988, c/c artigos 19 e 20 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), o limite orçamentário do Poder Judiciário, para utilização de recursos com pessoal (para compor a estrutura funcional e administrativa), é de 6% (seis por cento) da Receita Corrente Liquida dos Estados.

Assim, a Lei de Responsabilidade Fiscal considera não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio publico a geração de despesas ou assunção de obrigação que não atendam a tais disposições, conforme se vê dos artigos 15 a 17 a seguir transcritos, ipsis litteris:

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I – estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes;

II – declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

(…)

Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

§ 1o Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.

(…)

Nessa linha, todo projeto de organização judiciária que implique em despesas com pessoal deve obedecer ao conjunto dos requisitos supracitados, notadamente o referido no inciso I do artigo 16, no sentido de que o aumento na despesa tenha estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes.

Destarte, o quadro abaixo, feito com base em dados pesquisados por este subscritor, na Secretaria da Fazenda do Estado de Goiás e na Corte goiana, trata do comparativo da Receita Corrente Líquida prevista para os exercícios 2013-2015, da parcela orçamentária do Judiciário, da despesa prevista no respectivo período e o concernente saldo:

 

EXERCÍCIO

RCL PREVISTA

ORÇAMENTO PREVISTO – (6% DA RCL)

DESPESA PREVISTA

SALDO ORÇAMENTÁRIO

2013

R$ 14.382.377.000,00

R$ 862.942.6200,00

R$ 806.900.180,42

(5,61%)

R$ 56.042.439,58

2014

R$ 15.339.883.600,00

R$ 920.393.016,00

R$ 920.511.595,87

(6,00%)

R$ 118.579,87

2015

R$ 16.849.678.674,27

R$ 1.010.980.720,46

R$ 996.524.935,79

(5,91%)

R$ 14.455.784,66

 

Resta-se, pois, evidente que o Poder Judiciário goiano encontra-se no limite de gastos, impossibilitado de criar varas e expandir despesas com pessoal, principalmente levando-se em consideração que os elevados custos para a manutenção de uma Vara.

Nesse diapasão, mais viável do que criar unidades judiciais especializadas em direito empresarial, seria modificar a Organização Judiciária do Estado de Goiás, no sentido de alterar a competência de algumas varas cíveis da Comarca da capital para tratar especificamente daquela matéria, aproveitando a estrutura e o quadro de pessoal já existente. Noutras palavras, transformar algumas Varas Cíveis em Varas Empresariais.

Contudo, importante advertir que esta medida, por si só, não resolve o problema da especialização da jurisdição em matéria empresarial, haja vista há várias Comarcas no interior do Estado com alta potencialidade de demandas dessa natureza.

Apenas a título exemplificativo, a Comarca de Anápolis está dentre as maiores do Estado em número de entradas de novos processos, e ainda se destaca no meio empresarial como centro logístico, decorrente da sua localização estratégica – qualidade que motivou as construções do porto seco, da plataforma multimodal e agora do primeiro aeroporto de cargas fora da região sudeste.

Isso seguramente atrai muitas empresas para a cidade, consequentemente surgem demandas de cunho empresarial suficientes para se vir necessária lá uma Vara especializada.

De igual sorte, destacam-se as Comarcas de Aparecida de Goiânia e Senador Canedo, as quais, pela proximidade da capital, possuem também quantidade elevada de processos; além de Catalão, Itumbiara, Jataí, Luziânia e Rio Verde, municípios com perfil industrial relevante no Estado e que são considerados polos econômicos regionais, segundo a Superintendência de Estatísticas, Pesquisa e Informações Socioeconômicas da Secretaria de Gestão e Planejamento do Estado de Goiás – SEGPLAN/SEPIN – GO[1].

Ocorre que, das circunscrições judiciárias citadas, apenas Goiânia, Anápolis, Aparecida de Goiânia e Rio Verde são Comarcas com Varas Cíveis independentes, enquanto as unidades de Catalão, Itumbiara, Jataí, Luziânia e Senador Canedo dividem competência com áreas diversas, tais como Fazendas Públicas, Registros Públicos, Ambiental, Infância e Juventude, Família e Sucessões, entre outras, de modo a obstaculizar suas especializações somente no âmbito empresarial.

Nesta toada, tem-se como uma solução plausível a transformação de uma das seis Câmaras Cíveis do TJGO em uma Câmara especializada.

A priori, não há óbices estruturais, tampouco orçamentário-financeiros, haja vista as Câmaras não possuírem déficit de desembargadores nem servidores, e não haverá gasto do Poder Judiciário capaz de comprometer-lhe o orçamento, pois se aproveitará a estrutura física e de pessoal.

Por conseguinte, esta medida também não prejudicaria as demais cinco Câmaras, pelo contrário, desafogá-las-ia, pois reduziria o volume de processos nos colegiados cíveis, já que parte dos processos em tramitação seria encaminhada para o especializado, e as matérias de competência deste deixariam de ser distribuídas para aquelas Câmaras.

Além disso, tal como ocorreu no citado exemplo paulista, com a transformação é possível atingir, de imediato, a todas as Comarcas indistintamente, pois a Câmara especializada fixa jurisprudências na matéria, que servem de orientação para a tomada de decisões congruentes, conferindo segurança jurídica e celeridade nos julgamentos em primeira e segunda instância, objetivos principais da especialização.

Partindo-se das premissas expostas, para viabilizar a estruturação de um Poder Judiciário mais eficiente para o empresariado no Estado de Goiás, sugerem-se as seguintes alterações da organização judiciária – de maneira gradativa, via de proposta da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, apreciação pela Assembleia Legislativa e posterior sanção do Governador do Estado:

(I) a transformação de uma das seis Câmaras Cíveis em uma Câmara especializada em direito empresarial;

(II) a especialização das Comarcas cujos municípios são considerados polos econômicos regionais, alterando a competência de uma das Varas Cíveis para tratar exclusivamente de matéria empresarial, a iniciar por Goiânia, Anápolis, Aparecida de Goiânia e Rio Verde – as quais possuem ao menos três Varas Cíveis independentes, e posteriormente, de Catalão, Itumbiara, Jataí, Luziânia e Senador Canedo;

(III) a criação de novas Varas e/ou Câmaras especializadas, de acordo com a capacidade orçamentário-financeira do órgão.

E por fim, quanto às competências, alvitre-se que as jurisdições especializadas possam tratar dos seguintes assuntos:

a) falência, recuperação judicial, extrajudicial e os feitos que, por força de lei, devam ter curso neste juízo, excluídos os de natureza penal;

b) litígios societários concernentes à constituição, deliberação, transformação, incorporação, fusão, cisão, dissolução e liquidação de sociedade empresária;

c) registro do comércio;

d) propriedade industrial e a concorrência desleal, tratadas pela Lei nº 9.279/96;

e) ações que envolvam títulos de crédito, tais como execução, sustação e cancelamento de protesto;

f) arbitragem.



[1] GOVERNO DE GOIÁS. Os Polos Econômicos do Estado de Goiás. Goiânia: SEGPLAN/SEPIN, 2011. Disponível em: <www.seplan.go.gov.br/sepin/down/polos_economicos_de_goias.pdf‎>. Acesso em 20 ago. 2013.



[1] SABINO, Warlem. Goiás cria mais 28 mil empresas em 2012. Agência Sebrae de Notícias, Brasília, fev. 2012. Disponível em: <http://www.agenciasebrae.com.br/noticia/19778132/ultimas-noticias/go>. Acesso em 02 ago. 2013.

 



[1] Op. cit.



[1] TJ-SP instala câmara para julgar causas empresariais. Consultor Jurídico, 2011. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-jun-30/tj-sp-instala-camara-julgar-litigios-direito-empresarial>. Acesso em 05 jan. 2014.

 

 

[1] ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. Estudo comparativo entre os sistemas brasileiro e argentino quanto a criação de foros especiais em matéria concursal. Disponível em <http://www.nacionaldedireito.com.br/doutrina/191/estudo-comparativo-entre-os-sistemas-brasileiro-e-argentino-quanto-a-cria-o-de-foros-especiais-em-materia-concursal>. Acesso em 05 jan. 2014.

[2] Oportunidades para o desenvolvimento do Mercado de Valores Mobiliários. BM&FBOVESPA. Disponível em: <http://www.bmfbovespa.com.br/pdf/ArtigoMariaMarina.pdf>. Acesso em 05 jan. 2014.

[3] RIBEIRO, Ivan César. CVM e Judiciário: o efeito da incerteza jurídica nos investimentos em ações e a justiça especializada. Revista DIREITO GV. São Paulo, v. 03, n. 01, p. 035 – 056, jan-jun, 2007.



[1] Em consonância com a Resolução Nº 20/10 do E. Órgão Especial do TJRJ.



[1] ABRÃO, Carlos Henrique. Criação de Varas Empresariais. Associação dos Magistrados Brasileiros. 2012. Disponível em: <http://www.amb.com.br>. Acesso em: 08 mai. 2013.

[2] JR, Lewis S. Black. Por que as sociedades escolhem Delaware. Divisão do Departamento Estadual de Sociedades de Delaware. Dover/DE, EUA, 2007, p. 5. Disponível em: <http://corp.delaware.gov/whycorporations_file_portuguese.pdf>. Acesso em 09.dez.2013.

[3] Cf. JR, Lewis S. Black. Op. cit. p. 1.

[4] Litígios na Corte de Chancelaria de Delaware e na Suprema Corte de Delaware. Estado de Delaware. Disponível em: <http://corplaw.delaware.gov/por/litigation.shtml>. Acesso em 02 dez. 2013.

[5] Cf. JR, Lewis S. Black. Op. cit. p. 10.



[1] TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial – Teoria Geral e Direito Societário. 4. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2012, v. 1, p. 32.